SETÚBAL

TRABALHO

Muito me alegrou ouvir pela rádio que a instituição Vida e Paz que apoia os sem-abrigo conseguiu dois terrenos para dar trabalho aos desamparados das cidades. E mais... que fazem cabazes com produtos da terra e do seu trabalho, para venderem.

Sempre me afligiu esta moderna escola da miséria humana e nunca me pareceu bem que se lhe déssemos apenas comida e cobertores. A dignidade humana que os reveste, exige da parte dos cristãos, e não só, uma outra atitude, pois comida e cama também damos aos irracionais.

O trabalho é a grande alavanca para a dignidade do Homem, e a actividade agrícola mais apta e a mais intuitiva para agarrar o homem ou a mulher e, a sua recuperação.

Sabemos quanto difícil é quando alguém nunca trabalhou — e, por isso, é despido de hábitos de trabalho —, fazer qualquer tarefa e muito mais esta, que exige esforço e persistência, mas a faina do campo é das mais atractivas.

Pai Américo, o grande pedagogo e mestre na regeneração dos farrapões da rua, pressentiu, desde o primeiro instante, o valor do trabalho.

Segundo as leis dos homens, as crianças e os jovens até aos dezoito anos não podem trabalhar. Está bem, que não devem ser contratados para operários de uma fábrica, oficina ou qualquer empresa, mas devem ajudar os pais, em tempos livres, ou as mães na limpeza da casa, arrumo dos quartos, lavagem da loiça, preparação das refeições ou serviço à mesa, etc., pois nada repugna à lei positiva e segue a lei divina e natural que deve ser sempre preferida.

Quantos homens e mulheres novos cheios de saúde nos batem à porta a pedir? Quantos?...

A gente não lhes nega a esmola, mas com ela dá-lhes sempre uma ajuda psicológica que não os deixa à vontade e impele para o trabalho: — Você não tem vergonha de andar a pedir? — A resposta é sempre a mesma: — Não tenho trabalho. Nós respondemos, não é bem assim. Hoje, graças a Deus, há trabalho para toda gente, basta querer, se não é aqui é ali, há também ocupações sem qualquer especialidade. É querer e procurar.

O trabalho foi dado ao homem como o remédio. Quem não o toma sucumbe sob as fraquezas

e misérias próprias.

IGOR

Hoje, Domingo de manhã, rezava eu o breviário na sala-de-jantar que tem boa luz e é quentinha.

Vem o Igor pedir-me a chave de segredo das rodas do velho e cansado Honda, que tinha a roda da frente vazia.

— Olha que me parece que esse carro não tem chave secreta.

Contei-lhe, então, como teria o acontecido esvaziamento do pneu. Por falta de luz, sem querer, a velocidade moderada, bati com a roda no lancil do passeio.

Era Domingo, dia livre e ele que os tem todos ocupados, com necessidade de aliviar um pouco, podia muito bem ver e não ligar, mas não, tentou logo resolver o problema.

O rapaz faz na Escola Profissional mecatrónica automóvel e começou, há uma semana, o seu primeiro estágio numa oficina deste ramo.

Há muito que vende o Jornal e tem granjeado amizades e simpatias. É nosso deste os quatro anos, mas, após os 18, seduzido pela a mãe, quis ir embora e, no fim-de-semana resolveu abandonar-nos.

A vida trágica da progenitora rapidamente o desiludiu.

Ainda no nono ano, começou a faltar às aulas, ele que sempre foi assíduo e aparecia abatido e triste. A Directora de Turma vendo a situação, telefonou-me a sugerir encontrar-se com ele, nesta Casa, para me rogar o seu regresso.

Disse-lhe que não. Se ele quisesse voltar, teria de o fazer por ele próprio, o que é mais seguro.

Para vir buscar os seus teres havia-se acompanhado por dois homens da GNR, os quais me quiseram explicar as razões do rapaz: ele tinha direito de sair de casa e fazer o que entendia, que ele, o guarda, também fez o mesmo após esta idade.

A Lei é cega. Os 18 anos não trazem, por si, a maturação, e a autoridade inexperiente da vida facilmente se deixa iludir.

O rapaz não tinha maturidade para assumir esta decisão e quando se viu a nadar, abriu os olhos, mas impedia o facto de ter trazido consigo a GNR.

Animado pela sra. Professora, foi capaz de ultrapassar todos estes obstáculos e rogar a entrada nesta sua Casa.

Eu não mostro... sou educador... mas a intensidade alegre que me inundou a alma ultrapassa o imaginável.

Agora olhamos um para o outro com outros olhos!

Com diz o povo: há males que vêm por bem!

Esta queda amadureceu muito o rapaz, o qual já ultrapassou a sua infantilidade e está mais Homem.

Padre Acílio