SETÚBAL
Casamento
Foi na Igreja da Base Naval do Alfeite que o Ricardo se quis casar com a Sara, por ser sargento da Marinha, pela amizade com o Capelão e por que meia dúzia de Gaiatos, como ele também sargentos, ali trabalham e outros motivos de intimidade.
Com toda a seriedade e empenho, deslocaram-se sempre que lhes foi possível à nossa Casa para estarem comigo horas e horas a fio, em conversa particular, em leituras da Bíblia Sagrada e na preparação do ritual.
A celebração atrasou-se, pois a Sara demorou-se muito, por motivos alheios à sua pessoa.
Quando entrei na Igreja já paramentado, as bancadas estavam cheias de gente nova e havia muitas crianças. A assembleia conversava entre si, com um certo à-vontade, como se esperassem numa sala de espectáculos, a abertura do pano. A minha presença não a inibiu nada e o palratório continuou como se nada acontecesse. Peguei no micro e pedi silêncio, por estarmos num lugar Sagrado e na expectativa da celebração.
Alegrou-me a surpresa do silêncio que surgiu quase instantaneamente e comecei uma catequese sobre o sacramento que se iria celebrar.
Como as meninas e os meninos eram muitos, pedi aos adultos que se portassem como adultos e deixassem a pequenada à vontade, para brincar, correr, berrar, etc., pois o chilreio dos inocentes lembravam-nos a presença dos Anjos que seriam multidões naquele lugar, embora não dessemos por eles.
Toda a gente entendeu, fixou os olhos nos meus e escutou a palavra que lhes dirigia, falando da realidade sobrenatural que não veríamos mas se efectivava, da transformação dos noivos em esposos, pela Graça Sacramental, dada pelo Espírito Santo que invocávamos. A história do sacramento, a sua raiz, a sacralidade, os seus efeitos e as condicionantes para a validade do seu poder.
E a Sara não vinha!...
Ainda me voltei para o Ricardo e... brincando, lhe disse que escolhesse outra, pois haveria de certeza, na assembleia, alguma livre. Claro que toda a gente se riu, o Ricardo acenou que não com a cabeça e se gerou um ambiente de boa disposição que aliviava a concentração.
Por fim, a noiva chegou e celebrámos, com muita dignidade e respeito, o casamento dos dois.
As crianças fizeram festa, para cima e para baixo, na cochia central da Igreja, gritando de alegria e à-vontade, louvando a Deus como eram capazes e expandindo a sua inocência pelos circunstantes atentos, ao mistério celebrado.
O Ricardo é nosso desde pequenino. A sua fé foi-se firmando com a vida e a experiência amadureceu-o como Homem.
O seu casamento foi um dia de Glória que o Senhor nos concedeu. A Sara, com pouca preparação catequética mas algum nível intelectual por ser formada, bebeu com sede e gosto, a Palavra de Deus, abrindo-lhe o coração.
Na festa seguida à celebração, o noivo quis que me sentasse à mesa a seu lado, com a D. Conceição.
— São os meus pais! -, disse. - Pois não tenho outros.
A novidade, sempre renovada do gérmen da Casa do Gaiato, espelhava-se ali perante os convivas e as três dezenas de antigos Gaiatos, com as suas mulheres e filhos, num auge de alegria indescritível. Todos do tempo do Ricardo. Alguns vieram do estrangeiro com a mulher e filhinhos.
O casamento é a porta com que a Casa do Gaiato se abriu para a vida, durante muitos anos, para que os rapazes, seus filhos, deixassem esta família para constituir a sua.
Hoje, poucas vezes acontece, não só porque o ambiente cultural se paganizou, a sociedade impôs o seu laicismo e a Igreja, ligada ao Estado, no cuidado com os pobres, esmoreceu na fé.
O Ricardo e a Sara juraram, perante o Todo-Poderoso, que se iriam dar de alma e coração, um ao outro, por toda a vida!
Como a Glória de Deus refloriu nos seus corações e nos perfumou a todos!
Padre Acílio