PATRIMÓNIO DOS POBRES

O pobre clamou, o Senhor o ouviu, assim grita o salmista na oração diária que os consagrados repetem, milhentas vezes.

Não sei se se entende muito bem o sentido deste grito divino.


Entendem alguns que pobres são todos os homens, e é verdade, pois nenhum tem na mão a sua própria vida, embora haja quem se considere rico, não se identificando com a expressão do salmista, mas, na verdade, não passam de ser como erva à beira dos telhados que reverdece na Primavera e seca nos primeiros dias de Verão.

O ouvido do senhor está particularmente atento à voz dos que vivem no limiar da pobreza para os socorrer e lhes dar consolação e luz.

— Ó, senhor padre, venha a minha casa! - Será a voz do pobre ou antes a voz de Deus?

Era sábado e este dia é, para mim, excepcionalmente ocupado.

Os rapazes não têm aulas e encontro sempre serviços a fazer no campo, na vacaria, nas pocilgas e, até, nos galinheiros. Há ainda outros que precisam de ajuda na matemática, no inglês e na físico-química - e as manhãs de sábado são preciosas. Todos os trabalhos exigem distribuição, esclarecimento e vigilância! Mas a voz do pobre, naquela manhã, soou-me como vinda do céu.

Conheço bem os bairros e não me atrapalham nada, nem os blocos, nem os números.

Pedi às senhoras que me organizassem dois avios, pus algumas notas na carteira e fugi de Casa, tentando fazê-lo despercebidamente para que cada rapaz se ocupasse da sua tarefa como se eu estivesse em Casa.

Afinal, eu já conhecia a habitação e tinha-a provido de um armário de cozinha montado por nós, beliches num quarto que foram daqui, mais um sofá e duas mesas, uma de sala e outra de cozinha.

Na parte de baixo do beliche estava deitado um menino de cinco ou seis anos que tinha sido operado no Hospital da Estefânia, em Lisboa o qual era a origem do clamor materno.

A alegria da minha presença naquele lugar notava-se em todas as pessoas, era a esperança da solução de algum problema impossível.

- Não temos frigorífico para guardar, na temperatura exigida, os antibióticos para o doente.

Os electrodomésticos são uma carência bruta em qualquer casa de família, de tal maneira que eu não posso ir a casa dos pobres e vê-los sem fogão para fazer comida, um frigorífico para conservar sobras, peixe, carne, ovos, iogurtes, etc.. Não posso.

Não sei o que me dá, inunda-me uma tristeza imensa, fico indignado com tanto desperdício por aí fora, tantos luxos e despesas inúteis e os pobres a passar tanta necessidade. É a indiferença, esta terrível maleita que se desenvolve nas cidades.

Levei-lhes um fogão, que havia chegado na véspera, sabendo que faziam comida para a família toda, num de campismo, custando cada bilha 13 euros.

Uma exploração abominável a que os pobres estão sujeitos. Tão pouco gás, por tanto dinheiro.

Levava-lhes uma bilha normal, vazia, das pequenas, para pôr logo o fogão a trabalhar, certificando-me de que ele estava em boas condições. Não foi precisa a minha bilha, pois eles tinham uma que mandei encher. A outra, trouxe-a comigo para valer a mais pobres.

Perante a urgência de um frigorífico, não tive outro remédio, senão ir com os pais, a uma loja, e comprar um novo, por 182 €.

Os filhos andam na escola e a mais velhinha já no nono ano. O pai não sabe ler. Já frequentou um curso de seis meses mas não aprendeu o suficiente para se habilitar a qualquer exame ou adquirir certificado.

Os hábitos de trabalho e de organização pareceram-me reduzidos, sendo esta a primeira fonte da pobreza.

Fiquei de lhes levar um móvel para sala, que tenho aqui vários, mais três cadeiras, pois as que estavam, não chegam para todos se sentarem à mesa.

Padre Acilio