PATRIMÓNIO DOS POBRES

Esta quinzena foi demasiadamente cansativa, pelos trabalhos que as obrigações me impõem. O cansaço dominou-me e com dificuldade recupero a constância que também o Património me obriga a cheirar (cheirar, é do Papa Francisco) os Pobres e manter viva a chama no Jornal.

No Domingo, depois da missa e de atender algumas pessoas que, pela hora, sabem da minha permanência em Casa, vou sozinho até aos Pobres.

Havia-me telefonado a dizer que as paredes já estavam direitas e que era preciso a cobertura - e eu nem sabia bem qual dos casos, em mãos, me estavam a referir. Então, eu vou.

No lugar certo me orientarei. Em Dia do Senhor, faz-me bem à alma visitar os Pobres. A seguir à oração atenta, aproximar-me da pobreza, é das acções que mais me conforta, apesar da aflição.

Comecei por uma barraca minha conhecida, onde há muitos anos vegeta um casal idoso com um filho epiléptico.

O marido, já muito velho, veio aqui pedir-me o oleado para cobrir a barraca, pois chovia lá muito e estava com medo do Inverno.

O que eu tenho padecido com aquele casal?!

São pessoas pobres em todo o sentido da palavra, até no mais nobre. Ali criaram os filhos e estão muito agarrados àquele ambiente. Ao chegar, encontrei esta cena: o velhote não estava e o filho amparava a mãe, sentada na cama, com o braço pelas costas e com o outro tentava pôr-lhe na boca uma malga de leite.

Há dois anos que a pobre sofreu um derrame cerebral e ficou assim na cama.

Durante o Inverno passado, várias vezes dei dinheiro ao marido, para aquecer a barraca com lenha.

Vendo a situação alvitrei-lhes, nessa altura, alugar uma casa para eles viverem e o Património pagaria as despesas. Que não. Que gostavam daquele sítio, o qual fazia parte da sua vida.

Mais tarde, vieram-me com a ideia de eu lhes comprar um andar. Pareceu-me ser esperteza dos filhos, pois a vida deles está curta e aqueles ficariam com a casa e, não fui na conversa.

Um dia destes, muito respeitosamente, como sempre, o homenzinho vem implorar-me um oleado para cobrir a choupana, pois estava com medo da chuva e ficou ali à espera, sentado no corredor, que até me esqueci dele.

Domingo era dia de pedir o perdão e remir o descuido.

Como um antigo gaiato vende plásticos numa loja perto dele, deixei um recado ao homenzinho que fosse lá comprar o plástico para guarnecer o seu telhado. O René telefona-me: - Olhe que aquilo é muito caro, são 600,00€ e depois, é preciso localizar as tiras pois o plástico tem só 2,40m de largura e, são precisas várias tiras que devem ser vulcanizadas para que a barraca fique vedada.

- Oh! homem, pede lá o orçamento e não te preocupes com o dinheiro! - Respondi-lhe.

O René conhece bem o homem e as circunstâncias. Ainda não sei quanto terei de pagar, mas isso não me assusta; apavora-me, sim, o frio e a chuva que lhes podem cair em cima. Nós, que estamos habituados a um ambiente confortável, bem lhes podemos acudir.

Espero que, antes do Inverno apertar, a sua barraquinha esteja protegida do temporal.

Nunca pensei consertar choupanas na minha vida, mas neste caso não tenho outro remédio. As circunstâncias, dolorosamente, assim me obrigam.

Dali fui até ao mercado negro. Uma área grande escondida no meio da Cidade e quase inacessível, por se encontrar rodeada de casas decentes, habitações mono familiares ou prédios de seis ou sete andares.

Já lhes tinha pago dois metros de areia, vinte sacos de cimento e cinquenta tijolos. Esperava encontrar a obra adiantada, mas enganei-me.

É uma família com cinco filhos, vivem do abono deles mais do R. S. I.. Gastaram o material a tapar as portas velhas e janelas e a cimentar o quintal para os pequenos brincarem. Terreno que seria uma preciosidade para fazerem uma horta e não um terraço inclinado, pensando só nas crianças. O resto que havíamos combinado, estava tudo por fazer. Ralhei, fartei-me de ralhar! Vejam lá...Eu que deveria ter uma palavra amiga, ponho-me a ralhar com os Pobres. Mas tem de ser. Ajudar não é só dar o material, que isso será o que menos custa. O mais difícil é orientar para que as coisas fiquem bem seguras e baratas.

Havia entrado pelo portão do quintal e que vejo eu? - A mãe sentada no chão cimentado a dar mama ao penúltimo filho.

- Que está você a fazer? - Interrompi sem pensar. - Isso faz mal ao menino e a si.

- Mas... -, fitando-me - que hei-de fazer? Ele gosta também muito de mamar!

Nem sei bem se faz mal ou não, mas ela é tão fraquinha que acabou por me dar razão: - É por isso que me doem tanto as costas!

- Esse matulão -, com três anos - já pode comer bem, não precisa de mamar! A mama é para o mais pequeno -, que já se aguenta de pé e estava à fresca só com a fralda.

Claro que tanto a uns como a outros, levei um bom avio, para lhes matar a fome e ganhar paternidade. Não paternalismo, como fazem tantas organizações que anos atrás, acusaram a Obra do Padre Américo de paternalismo e hoje pouco mais fazem que dar de comer com a aprovação do povo, da nobreza e do Clero.

Padre Acílio