PÃO DE VIDA

Pés e Cruz

Ficámos a modos que meditativos, melhor, parvos (pequenos), uma mão cheia de dias antes da Páscoa do Senhor, quando testemunhámos o olhar tão feliz de dois pequenitos ladinos, entre outros rabinos, provenientes de um cubículo de zona perigosa, quando contemplavam as pedras de repouso dos Pastorinhos. Os miúdos ficaram ainda de olhar fito numa contita do Terço com que Francisco foi enterrado.

Em 1917, da descrição sobre o Francisco, o Dr. Carlos Azevedo Mendes notou: Bela cara de rapaz! Olhar vivo e cara agarotada!... Ora aqui está uma criança como eles e santa! Foi-lhes dado saber que, há cem anos, um miúdo se foi tornando um grande amigo de Jesus e de sua Mãe: Gosto tanto de Deus. Rezava o Terço e foi vítima da pneumónica, perto dos 11 anos. É um modelo acessível para os mais pequenos, neste tempo em que há sinais de preocupação: abundância e egoísmo no hemisfério norte, a que se contrapõem a miséria e fecundidade no sul. A santidade não tem idades e é para todos - chamamento universal.

Entretanto, um daqueles pequenotes que, pela primeira vez, puderam participar na Semana Santa, confidenciou o que mais gostou: o beijar da Cruz. Do agrado geral é sempre o Lava-pés. Nem o tilintar da campainha, nas suas mãos, em dia de Páscoa foi superior àquele gesto. O coração tem razões... Não sabemos aqui traduzir o que lhes enche a alma, ao ver e beijar a Cruz de Jesus. Escândalo e mistério da nossa fé: a misericórdia de Deus foi o mais longe possível para a salvação da humanidade.

Quando, num Estado laico, em hora incómoda nos atiraram à cara que não precisavam de celebrar a fé, ia dizer como eles, em silêncio: passei-me... Há tempo para calar e tempo para falar. Escutámos, há dias, um Bispo dizer que em Portugal os cristãos vão levantando a cabeça... Neste âmbito, é tão significativo também para nós o exemplo do Arcebispo emérito de Praga, Miloslav Vlk, que partiu a 18 de Março. Resistiu às perseguições e chegou a trabalhar como limpador de vitrinas, exercendo assim o seu ministério: confessava nas ruas, nos becos, nas salas de espera do tribunal e celebrava Missa clandestinamente nas casas.

O Padre Américo atravessou uma crise difícil de fé (vocacional), em Moçambique, sendo adulto. Nessa época, onde e quando foi beber da água pura e viva? À família e comunidades cristãs onde foi educado e se fez homem. Ao ser fiel à fé professada na pia baptismal, não quis deixar outra herança, no cerne do seu Testamento, com o ande lá da Hierarquia, dado a conhecer a 8 de Janeiro de 1949: A vida religiosa, nas nossas Comunidades, seja o centro. [...] Os sacramentos. Pôr-lhes a mesa. Chamá-los ao banquete e chorar, se eles não quiserem vir. Chorar os nossos pecados. Era forte o seu desejo de homem de fé, para conduzir outros ao verdadeiro Caminho: Eu quisera que a vida do Senhor fosse contada às crianças, inculcada aos homens e vivida por cada um.

Seria de reflectir seriamente sobre que instrução e valores os mais novos (e não só) estão a ser (de)formados, dos conteúdos curriculares ao frenesim do digital, quando se aponta o ter mais e o sucesso fácil como metas. Parece que Deus se vai eclipsando... Será um estranho que incomoda na Páscoa e se desvirtua no Natal ou ainda de quem se ouve falar nas festas?

No Dia que o Senhor fez, vamos ruminando sobretudo nisto, picado por um petizito: o beijar da Cruz atraiu-o tanto que o marcou nesta Semana Maior. Na verdade, é mesmo preciso tocar as mãos e o lado, como Tomé, para O ver. É de ver o carinho com o seu mano mais pequeno e o outro disse uma vez: - Não temos casa, não temos comida, não temos nada...

O Homem das dores carregou a nossa cruz e junto à Cruz de Jesus estava de pé sua Mãe. Tanto sofrimento indizível e perseguições atrozes explicam-se (saberão o que fazem?) nesse madeiro. Nas nossas mãos somos chamados a ajudar a crescer no bem e pegar nos feridos e caídos. Sem o dom da própria vida até ao fim, não há ressurreição.

Padre Manuel Mendes