PÃO DE VIDA

Só Deus basta


Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa,

Deus não muda, a paciência tudo alcança;

Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta.

Santa Teresa de Jesus

Pertinho da Luz da manhã de Páscoa, já com as aleluias floridas, a nota que a seguir se ilumina é um verbete interessante de Padre Américo, saído em Julho de 1947. Diz-nos que tal testemunha (o próprio?) ficou indelevelmente marcada por um quadro orante vivo, no qual viu uma religiosa a conversar com Deus. Eis: Era de uma vez um senhor de sociedade, a quem a Graça tocou e fez estremecer. Quis recalcitrar, mas a voz vinha do Alto! Conta-se que em maré muito difícil pareceu ao tal senhor ter visto, em oração, uma religiosa professa de certo convento, cuja visão fixou na memória. Mais tarde professa ele também e vai ao tal convento certificar-se. Pede à Superiora. Quer ver a comunidade. Estavam todas, menos a que ele vira./ - Estão todas? Pergunta. A Superiora olha em redor./ - Sim, estão todas. Falta uma, mas essa não conta. É a que trata dos porcos. O visitante insiste. Ele viu, outrora, uma religiosa posta em oração, ali, naquele mesmo convento. Viu-a em hora cruciante. Foi um quadro interior, onde esteve a alma inteira. Queria certificar-se. Foi-se chamar a religiosa dos porcos. A tal que não contava. Era ela! Foi ela, a dos porcos, que foi vista a conversar com Deus e com aquele homem.

É de mestre este naco, exemplar sobre uma verdade tão clara como a água límpida: mesmo nos serviços mais baixos e pestilentos (por amor de Deus), as mãos de pessoas em comunidades orantes e de serviço aos últimos não deixam cair a esperança do mundo e interpelam-nos, neste tempo em que se disseminam mentalidades e práticas sobre a vida humana e a família como coisas descartáveis, ao arredarem Deus.

A cidade do conhecimento bem precisa, e cada vez mais, de rectaguardas radicais na vida eclesial e social, como as comunidades de Clarissas (no Louriçal) e de Carmelitas (em Coimbra), cuja missão nos é grato enaltecer. Dedicam-se à vida contemplativa, dando testemunho da primazia de Deus, ao apresentarem-Lhe as intenções da Igreja e as mazelas do mundo.

Das Carmelitas Descalças não perdemos de vista a Irmã Maria Celina de Jesus Crucificado, cuja páscoa aconteceu por padecimento oncológico a poucos dias de celebrar 60 anos. Gloria Dei vivens homo - A glória de Deus é o homem vivo. Vem de duas décadas atrás este fio de vida, quando nos confiou umas linhas publicadas sobre Santa Teresinha do Menino Jesus. De pastora em Cinfães, aos 19 anos, encontrou-se seriamente com o único Pastor. De pequena, queria ser como a pastorinha Lúcia, dizendo da sua vocação: Era muito grande para mim! Com ela privou muito de perto. Também pôs nas nossas mãos uma nota biográfica, autografada com amizade: Irmã Lúcia - a memória que dela temos. A cada passo, no locutório, passavam as angústias do mundo e as preocupações da Igreja. Ao serviço da sua comunidade, como Prioresa, também nos desafiava para colaborar sacramentalmente, de que é sinal o último recado: pelas melhoras de... O seu humor conseguia sobrepor-se à sua dor, quando olhávamos para o seu braço. Porém, as Irmãs segredavam-nos: - Reze pela nossa Madre. Vimos ainda o seu sorriso a 13 de Fevereiro, no seu Carmelo de Santa Teresa, feliz pela conclusão do Processo diocesano da Avó de que também ajudou a cuidar até aos 97! Numa mensagem aos jovens, em 2007, escreveu assim: Nos meandros deste mundo com tantos escolhos e precipícios, sede tochas luminosas que indiquem aos outros o verdadeiro caminho. Que cada um propague, por onde passar, aquele Fogo que Cristo veio trazer à terra. Nestes dias que nos é dado viver, eis pois um verdadeiro exemplo de confiança e busca perseverante da presença viva de Jesus no mundo. Não olhava para as suas feridas, em tormentos difíceis, mas para a humanidade ferida, a curar - fazendo o bem. Com Sebastião da Gama, diria: Quero morrer em pujança. Seguiu o caminho do Ressuscitado, que percorreu Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado. Há palavras para a morte?... E Jesus chorou. Numa colina sagrada do Mondego, outra luz se acendeu no Céu.

Feliz Páscoa de Jesus, o Vivente, pois só Deus basta!

Padre Manuel Mendes