PÃO DE VIDA

Do Papa Francisco e os Pobres

Com a partida do Papa Francisco para a casa do Pai celeste, entrelaçando alguns fios escritos sobre o tema em epígrafe, continuamos nesta abordagem muito simples a um filão vasto e importante do seu pontificado — uma Igreja pobre para os pobres. Neste contexto, é de notar um aspecto a não descurar, pois salientou que a missão da Igreja «não é um negócio nem um projecto empresarial, nem mesmo uma organização humanitária, não é um espectáculo para contar quantas pessoas assistiram devido à nossa propaganda. É algo de muito mais profundo, que escapa a toda e qualquer medida.» [Evangelii gaudium, n. 279]

Os cristãos devem preocupar-se com a promoção integral da pessoa humana [EG, n. 181] e com as causas estruturais da pobreza [EG, n. 202]. Além do princípio da subsidiariedade, o Papa Francisco acrescentou o princípio da solidariedade humana, considerando outros problemas sociais: as pessoas sós, os sem-abrigo, os migrantes — perseguidos e refugiados, etc. O drama dos migrantes e o seu acolhimento, considerado um dever fundamental na Escritura, foi encarado seriamente pelo Papa Francisco, que empreendeu a sua primeira viagem a Lampedusa, em 19 de Setembro de 2013. Uma cultura da vida e a defesa dos pobres incluem uma nova atitude perante a Criação, diante dos problemas ecológicos, cujas questões tratou profundamente na Carta Encíclica Laudato si [Louvado sejas] sobre o cuidado da casa comum [24.V.2015].

A propósito do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, iniciado a 8 de Dezembro de 2015, afirmou: «Ao acolher o marginalizado que está ferido no corpo e ao acolher o pecador que está ferido na alma joga-se a nossa credibilidade como cristãos. Nunca nos devemos esquecer das palavras de S. João da Cruz: 'No ocaso da vida, seremos julgados sobre o amor'» [Francisco — O Nome de Deus é misericórdia, Lx.ª, 2015, p. 103]. Sobre a pandemia do coronavírus, em 2020, escreveu: «A pandemia fez-nos confrontar directamente a nossa fragilidade pessoal e social e, ao mesmo tempo, demonstrou-nos uma vez mais que no meio das tempestades da história estamos todos no mesmo barco.» [A Autobiografia, p. 259]. Na sua vida, «foi sempre eloquente na forma como mostrou querer uma 'Igreja em saída', ao encontro dos fracos e dos frágeis […] [Maria João Avilllez — Francisco: O Caminho, Lx.ª: Temas e Debates, 2022, p. 13].

Sobre o lugar dos pobres no mundo como encontro com Deus, afirmou: […] neste mundo saturado de injustiça, de arrogância, de ditaduras, onde a ditadura particular da exclusão e da segregação está espalhada por todo o lado, haverá sempre pobres. Terão sempre pobres convosco — e é aí o lugar de encontro com Jesus. Jesus está com eles, Jesus vive neles; não porque são pobres ou vivem na miséria, mas porque Ele escolheu ser um pobre e começar o Seu caminho entre os excluídos, entre aqueles que não contam, que não aparecem. Essa é uma maneira de nos mostrar o caminho de Deus. Um caminho que não nasce nem da exclusão nem da segregação, mas das mãos estendidas que se erguem, que cuidam, que oferecem dignidade a todos os que caíram. Não podemos ir ao encontro do Senhor negligenciando o encontro com os outros, especialmente os mais desfavorecidos. Jesus está no pobre, e o pobre está no âmago do Evangelho. Já não me lembro de quem disse a seguinte frase: 'Os pobres são a verdadeira riqueza'». [Dos Pobres para o Papa, p. 41-42]. Foi o mártir S.Lourenço [†10-VIII-258], diácono da Igreja de Roma, na perseguição do imperador Valeriano, que apresentou uma multidão de pobres, aleijados e cegos às autoridades romanas, e disse: «Estes são os tesouros da Igreja!». [Agostinho, Serm., 302, 8].

Num discurso à Associação Lázaro, em 28 de Agosto de 2021, o Papa Francisco utilizou a imagem da portaaberta ou fechada: «A porta é Deus. Então qual é a minha relação com a porta? Será que tomo posse dela para mim e não deixo ninguém entrar? Tenho medo de bater à porta ou fico à espera de que alguém me abra, sem bater? Cada um de nós adopta estas atitudes em relação a Deus, que é a porta. Por vezes, na vida, temos de ser suficientemente humildes para bater. Noutras, é preciso ter a coragem de não temer quem vai abrir a porta, porque essa pessoa é Deus.» [Dos Pobres para o Papa, p. 105-106]. Jesus disse aos seus discípulos: «Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há-de entrar e sair e achará pastagem.» [Jo 10, 9]. O Padre Américo usou a imagem da porta aberta e pode encontrar-se entre o seu serviço aos pobres e o ministério do Papa Francisco um certo paralelismo de proximidade.

Na homilia da Missa do VIII Dia Mundial dos Pobres, a 17.XII.2024, recordou «uma advertência do Cardeal Martini. Ele dizia que devemos ter cuidado ao pensar que existe primeiro a Igreja, já sólida em si mesma, e depois os pobres dos quais escolhemos cuidar. Na realidade, tornamo-nos a Igreja de Jesus na medida em que servimos os pobres, pois somente assim 'a Igreja torna-se ela mesma, isto é, a Igreja torna-se uma casa aberta a todos, um lugar da compaixão de Deus pela vida de cada homem'» [C. M. Martini — Cittá senza mura: Lettere e discorsi alla diocese 1984, Bolonha, 1985, p. 350]».

Na sua Autobiografia, o Papa Francisco deixou este conselho final: «É necessário sermos humildes, deixar espaço ao Senhor, não às nossas fingidas seguranças. A ternura não é fraqueza: é a verdadeira força. É a estrada que os homens e mulheres mais fortes e corajosos percorreram. Percorramo-la, lutemos com ternura e com coragem. Percorrei-a, lutai com ternura e com coragem… Eu sou apenas um passo.» [p. 347]. Na Carta Encíclica Dilexit Nos sobre o Amor Humano e Divino do Coração de Jesus [24.X.2024], escreveu: «Da ferida do lado de Cristo continua a correr aquele rio que nunca se esgota, que não passa, que se oferece sempre de novo a quem quer amar. Só o seu amor tornará possível uma nova humanidade.» [n. 219].

Nesta pequenina memória deste Papa dos pobres, ainda é de registar aqui uma lembrança muitíssimo grata, considerando que, no seu pontificado, em 11 de Dezembro de 2019, o Papa Francisco autorizou felizmente a Congregação para as Causas dos Santos a promulgar o Decreto relativo às virtudes heróicas do Servo de Deus Américo Monteiro de Aguiar, sendo declarado Venerável, pois «deu-se sem reservas aos necessitados, aos pobres, aos doentes […]».

O Papa Francisco confiava-se incessantemente à oração do Povo de Deus, dizendo: Rezai por mim! Agora, reze por todos nós. Obrigado e A-Deus, Papa Francisco!

Padre Manuel Mendes