PÃO DE VIDA
Então, no que toca à fé na formação do seminarista, está intimamente ligada ao seu processo vocacional. Segundo os Evangelhos, Jesus Cristo saiu (sai) ao encontro dos homens e chamou (chama) os que quis (quer). Jesus voltou-Se e, vendo que eles O seguiam, disse-lhes: Que procurais? Disseram-lhe: Rabi [que significa Mestre], onde moras? Disse-lhes: Vinde e vede. Então eles foram e viram onde morava, e permaneceram com Ele aquele dia [Jo1,38]. O chamamento (a vocação presbiteral), sendo um dom gratuito de Deus que chama e a liberdade da pessoa humana que responde, encontra-se no núcleo da experiência de fé cristã. Crer em Deus significa afirmar que Deus existe - é real, e cria e redime todos os seres humanos. O seminarista é aquele homem que dá graças por ser amado por Deus na vocação presbiteral, que é uma experiência pascal e gozosa de encontro com Cristo Pastor. A Palavra de Deus é lugar de encontro com Cristo e crer na Palavra é descobrir nela o próprio itinerário da fé. Na Eucaristia celebra-se a memória do mistério e sacrifício pascal de Cristo - está realmente presente e vivo, no Seu Corpo e Sangue! A Eucaristia fomenta atitudes eucarísticas: gratidão pela vocação, desejo de estar com Cristo, entrega pessoal da vida e caridade. O próximo (o outro) também é, assim, lugar de encontro com Cristo, pelo que os gestos de caridade tornam credível o anúncio da Palavra, se há compromisso com os últimos e os mais débeis. Deste modo, na sua formação para o presbiterado, o seminarista vai-se preparando para se configurar sacramentalmente também com Cristo Servo.
Sobre a pobreza sacerdotal, cujo tema é aliciante e interpelante, sublinhámos que a relação pessoal com Cristo Jesus pobre está no centro da pessoa do sacerdote. A pobreza de Jesus foi radical e é uma característica essencial da Sua missão, conforme S. Paulo sintetiza a vinda de Jesus: Com efeito, conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que por causa de vós Se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a Sua pobreza [2 Cor 8, 9]. É na contemplação da pobreza de Jesus que se joga a nossa fé cristã, pois é a forma na qual Jesus, o Filho de Deus, nos salvou (salva). A maior miséria - da qual a pessoa humana deve ser libertada - é o pecado. Na pobreza sacerdotal joga-se a qualidade da fé e da humanidade do sacerdote, pelo que o padre diocesano deve optar por ser pobre. É interessante o exemplo de um padre do deserto, o monge Serapião: vendi o livro que me mandava vender tudo o que tinha e dá-lo aos pobres. Sendo o sacerdote pobre, será bem recebido pelos pobres e por aqueles que vivem nas periferias. É chamado a acolher e a servir os pobres, com hospitalidade, e a escutar os que o procuram, dando-lhes tempo - ver Cristo nos pobres: os presbíteros hão-de ser amigos dos pobres. O amor de Jesus é atestado pelo lava-pés: Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros [Jo,13,14]. A pregação de Jesus pelos pobres é a Sua profecia do Juízo final da história. O que fazemos ou não acontece aqui e agora, na nossa vida quotidiana: dar de comer ao faminto, vestir o nu, visitar o preso, cuidar do enfermo, acolher o estrangeiro... [Mt 25, 31-46]. O modo de acção de Jesus, no serviço aos pobres, é uma grande lição para os cristãos, na Igreja e no mundo, na medida em que não devem ser apenas líderes reivindicativos dos seus direitos, meros assistentes sociais ou gestores de migalhas sobrantes, submetidos a qualquer ideologia. Somos chamados a testemunhar o amor gratuito do Senhor, isto é, mostrar as entranhas de misericórdia do Pai, que se manifestam plenamente no rosto de Jesus Cristo, Seu Filho - como diz o Papa Francisco.
Nesse tempo precioso de retiro, no Seminário da Sé, da pobreza em Padre Américo, apresentámos algumas páginas de artista da palavra que ilustram bem a formação e a vida presbiteral extraordinária de um padre diocesano, ordenado em Coimbra e que morreu no Porto, cujo exemplo eclesial é importante para o nosso tempo, como modelo para os cristãos e jovens seminaristas e pastores da Igreja, serva e pobre. Foi um grande apaixonado do Pobre de Nazaré e um devoto do Pobrezinho: Não queiras duas túnicas. Francisco de Assis ouviu e não se enganou. Tomou como exemplos eclesiais marcantes, em especial, S. João de Deus [† 1550], S. Vicente de Paulo [†1660] e S. João Bosco [† 1888]. Entre tantas e belas páginas, sentindo vivamente as angústias dos seus irmãos mais sofredores, rematamos com um retrato fiel de uma realidade dura e crua que ajudou a debelar: O amor do pobre, pela sorte dos Pobres, toca as raias da santidade. Um dia, vi-me nas ruas da Baixa [de Coimbra] aflito, com um recém-nascido nas mãos. Logo acode uma viúva com sete filhos, um de peito, que perdera ontem seu marido. Oh mulher, você não pode! - Posso, que tenho dois peitos!
Padre Manuel Mendes