PÃO DE VIDA
Um encontro feliz
Por mor de outras peregrinações e trabalhos, no serviço aos pobres, pelos caminhos de Portugal (jardim à beira-mar ou com montes de cinzas e eucaliptos até ao interior...), por vezes vai sendo necessário também parar por alturas da Cova da Iria, para retemperar ânimo para as veredas. Como chegar a Jesus sem Maria? Maria glorificou o Senhor, porque reconheceu a sua própria pobreza e humildade. Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher - diz S. Paulo. Na vinda de Jesus e anúncio da alegria do reino de Deus, os pobres são exaltados e os famintos cumulados de bens. O Santuário de Fátima, cuja cúpula se avista no horizonte, é cada vez mais procurado por multidões sequiosas de peregrinos provenientes de tantas partes do globo, pois os acontecimentos da Cova da Iria (em 1917) marcaram de forma decisiva a história da Igreja em Portugal e no mundo, em especial no século XX. Nesse tempo marcado por um conflito mundial e em convulsão social, perpassaram por aí palavras e sinais extraordinários (numa revelação particular) para a paz na humanidade. Vem na linha da Mensagem evangélica, que é um apelo forte à fé em Jesus (activa no amor) e de conversão: arrependei-vos e acreditai no Evangelho.
Conforme é reconhecido, o Padre Américo foi um amigo do Senhor e dos pobres, ligado diariamente à Mãe de Jesus pelas contas do Rosário, isto é, também foi mariano. Quando, a 13 de Maio de 1952, em Fátima, pregou a parábola do Bom Samaritano, para chamar a atenção da necessidade urgente de abrigos para os pobres, o Padre Manuel Formigão escutou e esteve atento às palavras do Recoveiro dos Pobres, anotando: Acentuou que muitos [peregrinos] voltariam para a sua freguesia por caminho diverso daquele que os conduzira à Fátima, isto é, pensando de outra maneira. Iriam fazer justiça. Sem justiça, não há amor, nem há paz.
Na verdade, encontraram-se assim duas grandes figuras da Igreja em Portugal, nomeadamente na primeira metade do século XX. Segundo o testemunho do Servo de Deus, D. Manuel Mendes da Conceição dos Santos, o Padre Manuel Formigão foi um homem de fé, não daquela fé vaga, mas daquela fé operosa e dominadora que ilumina e abrasa as almas. O chamado apóstolo de Fátima teve sempre a preocupação apaixonada de difundir o Reino de Deus.
Então, num desvio que fizemos no Ano Centenário de Fátima, tivemos oportunidade de visitar o belo Espaço Formigão, para procurarmos conhecer os traços fundamentais da vida e missão do Servo de Deus, Padre Manuel Nunes Formigão, que foi um autêntico apóstolo desta presença de Maria no meio do povo, de acordo com o Decreto sobre as virtudes. De facto, é uma casa-museu onde palpita a sua memória, mediante a contemplação de peças, devidamente enquadradas no espaço e no tempo, para assim se mergulhar na descoberta do perfil de um padre culto e discreto que acompanhou de perto os três pastorinhos de Fátima, a partir de Setembro de 1917. Nasceu em Tomar, em 1 de Janeiro de 1883, e aí foi baptizado em 18 de Fevereiro, na igreja de S. João Baptista. Entrou em 12 de Outubro de 1895 no Seminário Patriarcal, em Farrobo (Vila Franca de Xira), e logo depois (17 de Outubro) foi transferido para o Seminário Patriarcal de Santarém. No início do ano lectivo de 1900 - 1901, passou para o Seminário Maior, onde estudou Teologia. Em 1 de Novembro de 1903, entrou no Colégio Português em Roma e a partir do dia 3 desse mês frequentou a Pontifícia Universidade Gregoriana, onde se formou em Teologia e Direito Canónico. Foi ordenado Presbítero em 4 de Abril de 1908, na Basílica de S. João de Latrão. Entretanto, passou por Lourdes; e depois foi Professor no Seminário de Santarém (até 1931). A 13 de Setembro visitou a Cova da Iria e em 27 de Setembro fez o primeiro interrogatório aos pastorinhos. Teve a preocupação de apurar a verdade e o significado da mensagem de Fátima, elaborou o Relatório da Comissão Canónica e tornou-se um grande promotor desses acontecimentos. Em 6 de Janeiro de 1926, na Rua da Arriaga (n. 41), em Lisboa, fundou a Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, presente em Fátima e a cargo do Sagrado Lausperene, concretizando uma aspiração do Bispo de Fátima, D. José Alves Correia da Silva (em 1925): A Santa Hóstia adorada e desagravada naquela elevação, no centro de Portugal!... Creio bem que seria uma fonte perene de bênçãos para o nosso país. Noutras etapas da sua vida, foi Reitor do Seminário de Bragança (desde 10 de Outubro de 1939), Reitor do Seminário de Évora (em 2 de Outubro de 1943) e teve acção pastoral em Meixomil e Figueiró (Paços de Ferreira). Escreveu numerosos artigos e vários opúsculos sobre a mensagem de Fátima; e fundou a revista Stella (1 de Janeiro de 1937) e o jornal Mensageiro de Bragança (1 de Janeiro de 1940). Faleceu a 30 de Janeiro de 1958, em Fátima.
Foi, pois, na tentativa de nos aproximarmos ao itinerário biográfico do Padre Manuel Formigão que acabámos por encontrar e pedir um testemunho a uma veneranda religiosa. Trata-se da Irmã Lúcia Fernandes, R. F. [Reparadora de Fátima], com 87 anos, pois nasceu a 25 de Maio de 1931, em S. Cosme (Gondomar). Proferiu a sua primeira profissão religiosa a 22-VIII-1957, em Fátima; e, 4 anos depois, realizou a sua profissão perpétua. Após a partida da sua mãe, o seu pai levou-a a Paço de Sousa para conhecer o Padre Américo. Essa pequenina e bela história fica aqui gravada, também como sementinha vocacional, pois Deus vai passando e chamando (ao longo da vida...) à felicidade (santidade), se estivermos bem atentos à Sua voz! O título original deste testemunho reza assim: Encontro com um santo. Ora, eis:
Há longos anos, o meu pai levou-me à Casa do Gaiato, em Paço de Sousa, dizendo que eu ia conhecer um Sacerdote muito santo que dedicava a sua vida a ajudar os pobres e a amparar jovens e crianças que precisavam de protecção. Quando lá cheguei, fiquei encantada ao ver tantos rapazinhos, especialmente os Batatinhas de então, muito alegres e gordinhos, e um deles mais crescido logo se prontificou a mostrar-nos a Casa. Gostei de ver tudo, mas a minha maior curiosidade era ver o tal Sacerdote Santo, de que o meu pai me falou com tanto apreço.
Finalmente, apareceu o Pai Américo, com um grande chapéu de palha na cabeça, passeando pela alameda do jardim, a rezar o breviário. Como o meu pai, nessa altura se vestia de luto pesado, ele reparou nisso e logo entabulou conversa com ele, longamente, o que muito me alegrou, pois o meu pai nessa altura experimentava o sabor amargo da saudade e solidão pela morte recente da minha mãe.
Entretanto, chegou a hora da despedida, e o Pai Américo, colocando a sua mão sobre a minha e fazendo-me o sinal da cruz na testa, disse para o meu pai: Coragem, esta menina vai ser muito abençoada por Deus!
Hoje, penso que esta bênção se realizou e contribuiu para a graça da vocação religiosa que me levou a ingressar na Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima e a ser filha espiritual do seu Fundador, Padre Manuel Nunes Formigão. Pela santidade da sua vida bem merece, como o Pai Américo, ser levado à honra dos altares. Que Deus seja bendito nos Seus Anjos e nos Seus Santos!
Padre Manuel Mendes