PÃO DE VIDA

In memoriam Padre Manuel Durães Barbosa

O escritor não diz só o que escreve; diz também o que é.

[Frei Junípero - Américo Monteiro de Aguiar, 8-XII-1926.]

Nestas colunas eclesiais, a memória grata dos servidores da Igreja também tem o seu sentido e lugar devido, nomeadamente quando estão ligados de qualquer modo à causa dos pobres.

Isto aconteceu com o Padre Manuel Durães Barbosa, da Congregação do Espírito Santo. Este missionário espiritano nasceu em Roriz (Barcelos), em 19 de Junho de 1941, e foi ordenado Presbítero em Ponte de Lima, em 25 de Setembro de 1966. Na noite de 12 de Janeiro, aos 76 anos, no Seminário da Silva (Barcelos), foi chamado para a glória do Senhor. Formou-se em Teologia, na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), em 1967; e, de 1968 a 1971, frequentou a Pontifícia Universidade Salesiana, licenciando-se em Ciências da Educação. Em 1982, foi eleito Superior Provincial dos Espiritanos, cargo que desempenhou até 1988. Foi, ainda, missionário no Brasil, professor na Universidade Católica Portuguesa, director nacional das Obras Missionárias Pontifícias e reitor da igreja de S. Luís dos Franceses, em Lisboa.

No centenário do nascimento do Padre Américo, em 1987, as Edições Salesianas (Porto) publicaram o seu livro Padre Américo - Educar ao sentido da responsabilidade, correspondente ao texto (revisto e actualizado) apresentado pelo autor na Faculdade de Ciências da Educação, em Roma. Na breve apresentação desta obra, de 2 de Fevereiro de 1987, informou que a ideia deste trabalho se prendeu com a necessidade de apresentar um trabalho sobre pedagogo de renome ou experiência pedagógica de verdadeiro valor. E confessou, também: imediatamente pensei na experiência do Padre Américo e, em concreto, na Casa do Gaiato de Paço de Sousa. De facto, ainda como estudante de Fraião, em Braga, a visitara de relance, num dos habituais passeios anuais. Referiu ainda que viveu algum tempo a vida dos gaiatos nessa Casa. Este livro teve uma segunda edição em 1988, no centenário da morte de S. João Bosco, alterando o subtítulo para Padre Américo - Educação e sentido da responsabilidade. No tocante ao apêndice, entre as diversas facetas da vida do Padre Américo, escolheu duas - Apóstolo e Pai dos pobres e Artista da Palavra, dizendo que: A primeira vitaliza e explica, pelo menos em parte, o seu dinamismo e enorme criatividade em prol dos mais pobres e carenciados. A segunda, pouco referida e estudada, revela-nos Padre Américo como jornalista e escritor.

Desta faceta, acenamos breves afirmações de crítica literária, em que se adentrou. Agostinho de Campos, a 19 de Fevereiro de 1942, na Emissora Nacional, referiu que o autor destes livros [Pão dos Pobres] é dos bons prosadores portugueses do nosso tempo, vernáculo, nervoso, cheio de carácter, e que sabe dosear natural e perfeitamente, no seu estilo, a tradição clássica e a vivacidade popular. Em 1956, foram publicados muitos artigos a propósito da morte do Padre Américo. De relance, duas notas sobre o escritor. João Maia escreveu que foi ele também um escritor da melhor nota, elementar, directo. E Mendes Fernandes disse, também: O estilo do Padre Américo, inconfundível, incisivo, nervoso, botava lume, subjugava. Era termo-cautério. Não podia ler-se distraidamente, com indiferença. Foi o Padre Américo um dos maiores jornalistas do nosso tempo. E, sem dúvida, um génio do coração. Em 1971, António Alçada Baptista, na sua Peregrinação Interior, continuou nesta linha merecidamente laudatória: o Padre Américo, além do mais, escreveu do melhor português do seu tempo. Zacarias de Oliveira, em 1972, num belo artigo O Cantador, observou com pertinência que ainda não apareceu um estudo do escritor Padre Américo e as suas duas obras, literária e social, dão-se as mãos. Desta faceta, nos 60 anos da morte de Pai Américo (2016), lançámos a Henrique Manuel Pereira o desafio de um esboço para o colóquio Padre Américo - Uma vida ao serviço dos Pobres na Igreja; de que resultaram incisivas Notas sobre o Artista da Palavra, em que conclui: foi um criador, por outras palavras, um poderoso transformador da realidade, querendo que se visse para lá do que ela mostra.

Na verdade, deixou-nos um riquíssimo tesouro literário, marcado por profunda espiritualidade cristã, conforme escreveu no Pão dos Pobres (1941), que foi um arranjo das suas notas semanais desde 1932 no jornal Correio de Coimbra: Se picares as suas letras com um bico de alfinete, hás-de ver que deitam sangue, tão vivos são os casos que elas narram. A hóstia branca, depois de consagrada, já não é pão de trigo; é o Corpo do Senhor. Todas as palavras do livro são consagradas ao Pobre. Parecem letras de imprensa; são o corpo mai-la vida deles!

Depois desta brevíssima incursão literária, explorada pelo Padre Manuel Durães, é de justiça e importante notar que se debruçou com mestria como Teólogo Censor dos escritos impressos do Servo de Deus Padre Américo, na Causa de Beatificação, nomeado (com o Cónego António Taipa) pelo Bispo do Porto D. Júlio Tavares Rebimbas, em 15 de Março de 1988; os quais, depois, deram parecer favorável.

O Padre Tony Neves, actual Superior dos Espiritanos, pediu que Deus o recompense por uma longa vida totalmente dedicada à Missão. A Missa exequial, em 13 de Janeiro, foi presidida por D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga, em Salvador do Campo (Barcelos). É assim, na sua páscoa e modestamente, que homenageamos um bom amigo missionário, também por ter estudado e lido afincadamente, como missão eclesial, a obra literária de Padre Américo, cujo serviço foi meritório para a Igreja em Portugal, terra de Santa Maria e também de missão.

Padre Manuel Mendes