PÃO DE VIDA

Tempo aos Pobres

Gosto da bênção dos Pobres, digo. Sinto o bem que me fazem. Ditosos olhos que sabem ver na pessoa do Pobre que passa, o próprio Jesus de Nazaré.

Padre Américo

No final do Ano da Misericórdia, em face da escandalosa pobreza em crescimento no mundo, o Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Pobres, para ser celebrado no penúltimo Domingo do ano litúrgico, pois a pobreza está no coração do Evangelho. Será mais um dia entre tantos ou uma missão diária emergente?... Jesus identificou-Se com os pequenos e pobres e nos julgará a partir das obras de misericórdia (Mt 25, 31-46). Vale mesmo a pena meditar na Mensagem do Papa para 19 de Novembro, como neste fragmento: Se realmente queremos encontrar Cristo, é necessário que toquemos o Seu corpo no corpo chagado dos pobres, como confirmação da comunhão sacramental recebida na Eucaristia.

A Igreja nasceu em saída para as periferias da condição humana, como em Antioquia, segundo os Actos dos Apóstolos: os discípulos resolveram então enviar socorros aos irmãos da Judeia, o que fizeram por intermédio de Barnabé e de Saulo. Têm grande actualidade as palavras do II Concílio do Vaticano: a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela fragilidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo.

Como preparação espiritual, foi muito benéfica também a meditação da Mensagem do Papa Francisco aos vicentinos por ocasião do 4.º Centenário do carisma vicentino, na memória de S. Vicente de Paulo (27 de Setembro), que teve um encontro fulgurante com Jesus Bom Pastor, na pessoa dos pobres, a que chamou nossos senhores e mestres. Foi um grão de mostarda, semeado em 1617, que fez germinar a Congregação da Missão e as Filhas da Caridade, com Santa Luísa de Marillac, e se tornou uma grande árvore, mais tarde ainda com as Conferências de S. Vicente de Paulo (fundadas por Ozanam), tão actuais, pela sua proximidade ao pobre! No centro da Família Vicentina estão os mais pobres e abandonados e no coração da Igreja está a Caridade, pois o Amor resume toda a Lei e os Profetas. Padre Américo assim o disse também: A Caridade nasceu na Igreja há vinte séculos e nunca saiu de ao pé da Mãe. O convite é sempre actual e comprometedor: Encontrar os pobres, preferir os pobres, dar voz aos pobres a fim de que a sua presença não seja reduzida ao silêncio pela cultura do transitório.

Esta matriz verdadeiramente cristã, de um Cristianismo encarnado, que toca a carne de Cristo, é essencial na herança que Padre Américo também legou à Igreja, na linha evangélica, com o seu testemunho como S. Francisco de Assis, S. Vicente de Paulo, S. João de Deus e S. João Bosco... (Bem-Aventurados seus predilectos!). É uma multidão de cristãos e tantas pessoas de boa vontade (quantos em todo o mundo, nestes dois milénios!) que se entregaram (e dão a sua vida) ao serviço dos irmãos mais pobres e sofredores.

Neste 130.º aniversário do nascimento do Padre Américo, a propósito, faz-nos bem recordar gratamente a sua passagem tão benéfica por Santa Quitéria, em Felgueiras, onde foi bom estudante, com boa conduta e pertenceu à Associação dos Filhos de Maria. Neste Colégio vicentino, da Congregação da Missão, foi recebido em Outubro de 1899, com 12 anos. Mais significativo, ainda: em 1 de Junho de 1902 a sua mãe Teresa escreveu ao filho mais velho, Padre José, na Índia inglesa, dizendo que o Américo tem muita vontade de ser Padre... Contudo, em Outubro desse ano encontrava-se ao balcão de uma loja de ferragens, no Porto. Daí (alvitramos nós) que o termo utilizado para exprimir o chamamento decisivo do Mestre, em 1923, seja tão violento: martelada!

Sobre a história dos Lazaristas em Portugal, saudamos vivamente a publicação dos Apontamentos para a História da Província Portuguesa da Congregação da Missão, obra incontornável do Padre Bráulio de Sousa Guimarães (1890-1973), que conhecemos inédita e citámos há cerca de vinte anos, confiada pela mão de um companheiro vicentino amigo (Padre Nélio). Assim, foi-nos possível redigir uma nota segura sobre o Colégio e o Monte da Santa, em Felgueiras, nessa viragem do século em que Américo de Aguiar por lá andou e ouviu falar de S. Vicente de Paulo, o padre mais Padre de todos os tempos, conforme escreveu. É de referir, como memória grata e próxima, que o sábio historiador Padre Bráulio nasceu em Varziela (Felgueiras), a 26 de Março de 1890, e entrou na Escola Apostólica de Santa Quitéria em 1 de Janeiro de 1902, donde depois transitou para Arroios (Lisboa). Entre vários escritos seus, registam-se as obras sobre o Padre Jacinto de Sousa Borba (que deu assistência espiritual a Américo de Aguiar) e sobre o Padre Barros Gomes, notável biólogo e engenheiro florestal (também no pinhal de Leiria...) e vítima dos desmandos da república (assassinado na noite de 4 de Outubro...).

Com colunas de tão firmes testemunhos e às voltas com as celebrações de Padre Américo, urgia o encontro pessoal com os pobres, procurando dar espaço e tempo aos últimos. Partimos assim da memória agradecida e fizemo-nos ao largo com vários espinhos na carne, saindo para uma periferia geográfica e de dor, por um menino de 4 anos com doença cerebral, que se agarrou logo a nós, sorrindo, e vive parcamente com sua mãe que nos soluçou: ajude-me, por favor, a minha situação é muito complicada - estou a sofrer muito, não estou a trabalhar e não tenho dinheiro para comprar comida e fralda. Certo é que a providência de Deus não falha e no final de uma Eucaristia dominical festiva, em S. José (Coimbra), outra jovem mãe se dispôs logo a abrir a procissão deste anjinho ferido, entre tantos...

O Papa Francisco é bem claro sobre o miolo evangélico: estamos cada vez mais convencidos de que partilhar com os pobres permite-nos entender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema, mas um recurso ao qual acudir para acolher e viver a essência do Evangelho.

É mesmo uma graça encontrar chagas de Cristo nas feridas gloriosas dos nossos irmãos mais pequeninos e curá-las com compaixão e verdadeira devoção!

Padre Manuel Mendes