PÃO DE VIDA
130 anos — AMA!
Cento e trinta anos são já uma longa história de vida, que nos convida a fazer memória, como o Papa Francisco salientou na Evangelii Gaudium (13): Não devemos esquecer a história viva que nos acolhe e impele para diante. A memória é uma dimensão da nossa fé que poderíamos chamar deuteronómica por analogia com a memória de Israel. [...] O crente é, fundamentalmente, uma pessoa que faz memória. A perda de memória, para o ser humano e para um povo, é uma autêntica tragédia. É de fazer memória concreta: de pessoas com nome próprio, rostos, itinerários de vida, momentos e acontecimentos.
Nesta memória do Pobrezinho de Assis, S. Francisco, as folhas em branco reclamam à última hora tinta com algum nexo. Há naturalmente canseiras e dores, de pobres e família com gente a crescer, em era digital frenética e contra-valores confusos, nomeadamente sobre a vida humana e a família como célula base da sociedade. Ultimamente, têm corrido lágrimas amargas, como as do Divino (com 13 anos) e por ele, com mandado de condução, contra a sua expressa e reiterada vontade e sem se poder despedir devidamente... No ofício sacerdotal, há necessariamente silêncios da condição. Contudo, há ocasiões em que a palavra não pode nem deve ser amordaçada.
Mesmo com corações a sangrar, é um acontecimento assinalável e a celebrar condignamente o 130.º aniversário do nascimento de Américo Monteiro de Aguiar (AMA), cujo nome foi evoluindo humana e espiritualmente no seu itinerário vocacional até ser Frei Américo, Padre Américo! e Pai Américo, que todo o mundo português de então (e não só) bem conheceu e venera, como figura incontornável da Igreja em Portugal no século XX, comprovada pelos inúmeros testemunhos na dor tamanha da sua morte, em 16 de Julho de 1956. Seria um gesto de alto significado eclesial, nesta ocasião, uma lembrança justíssima do Episcopado português ao Papa Francisco no sentido de o declarar Venerável. O Bispo do Porto D. António Francisco, de grata e saudosa memória, comprometeu-nos com um recado afim...
Já demos a conhecer na íntegra o seu assento de Baptismo e agora vai um naco como recordação festiva, começando assim: Aos quatro dias do mez de Novembro do anno de mil oitocentos oitenta e sete, n'esta Egreja parochial de Salvador de Gallegos, concelho de Penafiel, diocese do Porto, eu António da Rocha Reis, Abbade da mesma freguezia, baptizei solenemnente um indivíduo do sexo masculino a quem dei o nome de Américo e que nasceu nesta freguezia de Gallegos á uma hora da noite do dia vinte e trez do mez de Outubro do anno de mil oitocentos e oitenta e sete [...]. Este documento pertenceu, por direito próprio, ao Registo paroquial de Galegos; depois, foi levado para a Conservatória do Registo Civil de Penafiel (onde o vimos) e encontra-se actualmente no Arquivo Central do Porto.
Américo era filho de Teresa Ferreira Rodrigues (25-I-1847; 12-XII-1913), da Casa de Antelagar, freguesia do Salvador de Paço de Sousa, e de Ramiro Monteiro de Aguiar (17-VIII-1848; 5-VIII-1921), natural da freguesia de S. Martinho de Lagares, que se uniram em matrimónio na Igreja Paroquial do Salvador de Paço de Sousa, a 23 de Outubro de 1873, assistido pelo Padre António Augusto de Lemos. A família materna provinha da Casa de Vales de Cadeade (desde o século XVIII), em Paço de Sousa, e a família paterna da Casa do Bairro (conhecida no século XVI), em Galegos.
Os seus padrinhos foram Joaquim da Rocha, tio-avô por afinidade, e Maria de Aguiar, sua irmã. Américo foi o último de oito irmãos: José (Padre), Joaquim, Maria, Jaime, João, António (Médico) e Zeferino.
Nesse ano (1887), como curiosidade histórica e literária, foi editado no Porto um belo livro intitulado Óbolo às creanças, por Camilo Castello Branco e Francisco Martins Sarmento, cujo produto reverteu para o Real Hospital de Crianças Maria Pia e para a Creche de S. Vicente de Paulo. Do início (longo), Em vez de prólogo, Joaquim Ferreira Moutinho deu este sinal: Salvemos, pois, a criança; curemo-la, acarinhemo-la, guiemo-la, e teremos a sorte do futuro. A criança é o alicerce do porvir! É de pensar nesta preocupação sempre e também no nosso tempo...
Já que nos adentrámos nesta novidade (tão velhinha), sobre o sacerdote culto que foi ministro do Baptismo de Américo, em 4 de Novembro de 1887, há um livrinho raro sob o título Adhesão e não adhesão ás doutrinas da «Palavra» e do «Primeiro de Janeiro» ácerca dos exames synodaes. É um opúsculo dedicado aos leitores da «Palavra» por Antonio da Rocha Reis Abbade da freguesia de Gallegos do concelho de Penafiel. Foi impresso na Typographia do «Penafidelense», em 1880. Ainda conhecemos a pia baptismal, desse tempo, deslocada na Praça da República, em Penafiel, e depois tranferida para o Museu Municipal de Penafiel.
Não restam dúvidas que o nome de pia Américo foi dado em homenagem significativa ao Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos Silva, que foi Bispo do Porto de 1871 a 1899, em cuja cidade nasceu a 16 de Janeiro de 1830.
Assim, com estas referências de espécimes bibliográficos, deixámos notas de alguns intervenientes do contexto histórico-eclesial nos primeiros anos da sua vida. É uma recordação singela do aniversário natalício (130.º!) de Padre Américo, cujas iniciais do seu nome AMA foram o cerne da sua vida virtuosa, com tantos frutos e sementes, de cuja raiz numa árvore frondosa é de fazer digna e gratíssima memória também para as actuais gerações e vindouras!
Padre Manuel Mendes