CRÓNICA DE MOÇAMBIQUE
O bom samaritano
Quando a Sagrada Escritura nos relata a última Ceia do Senhor, associamos, intimamente, aquele magno acontecimento com a 5ª feira, 22 de Setembro de 2016. Nesse dia a equipa de coordenação - composta por responsáveis de sectores de desenvolvimento comunitário - reunida na Casa do Gaiato a pedido da Irmã (porque o Sr. Pe. José Maria não estava bem de saúde), subitamente teve que interromper a sessão para levar Pe. José Maria ao hospital. O Padre já fora muitas vezes ao hospital. Mas dessa vez foi diferente: um ar sombrio desenhava-se sobre a mente e o olhar de cada um.
E ainda, como Setembro é o mês da Bíblia - a complementar o trabalho de S. Jerónimo - lembramo-nos que Pe. José Maria traduzia suas contemplações à luz da Palavra de Deus. Por isso nos é difícil falar dele. Não pela retórica da frase. Para quem o conheceu, ele encerrava toda a vida: era um homem "mais" semelhante a Deus. Ligado profundamente à natureza, aos valores da terra, consciente como era de que o homem da terra foi criado. A machamba, a interligação entre plantas e animais e estes com o meio ambiente... Ele fazia leitura e interpretação do tempo para prever chuvas e secas.
Na oração, conseguia que todos mergulhassem na profunda reflexão sobre o valor que Deus dá ao homem, por mais pequeno ou desprezível que seja: por isso muitos aprenderam e salvaram suas vidas. Raramente o ouvíamos cantar, mas ficava alegre a ver-nos a cantar e a dançar, sobretudo em nossa própria língua.
O amparo que dedicava a quem estivesse aflito por alguma doença, agindo com mestria e simplicidade para chegar no mais curto tempo possível à assistência sanitária e à devida recuperação. Interagia consoante as capacidades de cada um: com uns por meio de histórias, com outros por exemplos vivos, com alguns até recorria à palavra do Pai, sempre mais de perto. E quando algum daqueles que Deus lhe deu a conhecer se distraísse dizia: "a Casa não tem muros, entra e permanece connosco quem quer mudar".
Mas naquela tarde de última agonia, o céu que estava limpo fechou-se, e logo muitos corações pressentiram algo. Houve um encolhimento. Ninguém se conseguia abrir ao outro. A Casa estava desolada e nem se ouviam os mais pequenos fazerem o barulho habitual. Era o anúncio do fim da paixão, a entrega definitiva. Choveu bastante. Fazia tempo que não caía a chuva naquela época, e os campos já estavam ressequidos.
Nestes últimos dias, os rapazes preparam-se para o dia 30 de Setembro, não para pedir, mas agradecer a Deus por ter colocado no seu caminho este "Bom samaritano". Os que se encontram a residir fora da Casa também enviam mensagens querendo saber do programa para manifestar a sua gratidão.
No trabalho que realizamos na aldeia dos velhinhos na Massaca - lugar onde habitualmente Pe. Zé Maria passava pelas tardes - ao lembrarmos aos idosos sobre este dia, eles manifestaram o desejo de participar activamente nas celebrações. Mas como há tantos que nem andam, teremos que levar a comunhão e a mensagem ao fim do dia. Outros serão impedidos de cá estar connosco por motivos alheios, mas seus corações estarão elevando a voz ao nosso Deus.
Das aldeias circunvizinhas, grupos de homens e mulheres desejam estar presentes, para dar glória a Deus pelas maravilhas a eles conduzidas por intermédio da Obra da Rua. Encontrar-nos-emos junto da sepultura no "jardim da vida" e do altar do Senhor na manhã de 30 de Setembro.
Gonçalves Henriques Ntambalica