MOÇAMBIQUE
A nossa Casa é uma porta aberta conforme dizia o Padre Américo. Só fica quem estiver aberto à mudança. A vida da rua é aliciante. Ultimamente o número de crianças na rua tem aumentado, promovida muitas vezes pela nossa sociedade. Muitas pessoas, para ter a consciência tranquila preferem dar a sua ajuda em dinheiro, comida, roupa, sapatos e continuar o seu dia-a-dia. Algumas organizações até oferecem comida na rua, tratando-os como coitadinhos e pobrezinhos. O mais importante são os bens materiais e livrarem-se deste incomodo, de ter à sua frente uma criança com fome, suja, com feridas ... e não se dão conta do grande mal que fazem a esta pobre criança, que foi para a rua sem pensar no seu amanhã. Assim, continuamos a alimentar este mal.
Diariamente recebemos telefonemas para internar o seu filho, argumentando que não vai à escola, não respeita os pais, anda com más companhias.... Respondo com uma pergunta: é o seu filho? A nossa Casa não é um internato e sim uma família para quem não a tem. Os pais devem ter tempo para conhecer os seus filhos e os filhos tempo para poderem partilhar a sua vida com os seus pais. Numa família é um constante dar e receber.
Esta semana um dos nossos rapazes, perante uma exigência da vida de casa, resolveu fugir. Os colegas correram ao seu encontro e tentaram convencê-lo a voltar, mas não conseguiram. O rapaz foi até ao portão e lá ficou todo o dia a olhar para a frente e para trás. No fim do dia, um dos mais velhos aproximou-se e pediu para ir ao seu encontro. Foi e voltou contente com o seu irmão. Conseguiu convencê-lo e trazê-lo de volta a Casa. Jantaram juntos e depois cada um saiu para o seu quarto a descansar. Que alegria se via nos seus rostos. Um porque precisava de ser ouvido e entendido e, o outro, porque conseguiu ouvir e convencer o seu irmão. Que lição de vida.
Na nossa Casa, todos os dias temos um momento de partilha. Muitas vezes são os pequenos que mais participam. Expressam os seus sentimentos perante o que sentem, a divisão do lanche, a compreensão dos professores, o respeito entre irmãos... Os mais velhos também colocam as suas preocupações. Mas é nesta troca de experiência que vamos partilhando a vida. Assim, nesta Quaresma, todos os Domingos, Jesus nos tem ensinado o verdadeiro amor.
A justiça de Deus que é muito especial e só é capaz de a entender aqueles que vivem os seus ensinamentos. Quem diria que o Sr. Padre Baptista, que viveu toda a sua vida a acolher os mais pobres, a ir ao encontro dos rejeitados e escondidos, fosse hoje motivo de tamanha falta de respeito perante a justiça humana. Jesus continua a ser crucificado. De certeza que o Padre Baptista, hoje, neste anonimato em que vive, cumprindo ordens da justiça humana, continua a lutar pelos seus, nas suas orações e sofrimento. Que junto de Deus, todos que adormeceram de forma digna nas suas mãos, intercedam por ele e o consolem. Pois como dizia São Paulo, de certeza que hoje dirá todos que servem a Deus de Corpo e Alma: "Para mim viver é Cristo e morrer é lucro".
Quitéria Paciência Torres