MALANJE

No sótão das minhas memórias vejo um menino de cinco anos jogando na rua com um grupo de ciganos. Naquele tempo, quando nossos pais não nos aguentavam em casa, mandavam-nos brincar na rua ou no parque... toda a nossa vida estava na rua.

As ruas não tardaram a inundar-se de drogas de todo o tipo e vi como muitos dos meus amigos, pouco-a-pouco, eram condenados por delinquência - uns morriam e os que tinham mais sorte, acabavam por ser presos...

Quando jovem, tentei impedir que as crianças acabassem nesse mundo, e comecei a colaborar com grupos e organizações de tempo livre, para lhes oferecer uma alternativa. Foi nessa época que decidi arriscar tudo e seguir a um certo Jesus.

A rua e os seus problemas sempre me perseguiram, incluindo no Seminário. Um dia um companheiro disse-me: «vens da periferia e um dia voltarás a ela». Durante esse tempo colaborei com organizações para a desintoxicação de drogas... e outras de que nem me lembro.

Já como sacerdote me comprometi com o povo cigano, especialmente com aqueles que estavam mais desprotegidos. Não entendia muito bem essa chamada contínua para responder à realidade da pobreza que batia à minha porta uma e outra vez...

Conheci muitos sacerdotes comprometidos com os pobres, alguns deles os recebiam em suas casas com toda a naturalidade e os faziam sentir-se em família... alguns deles já partiram para o Céu.

Faz dez anos que me encontrei com o Padre Telmo que me levou pela mão até Pai Américo - que hoje se converteu na minha referência como Padre. Quando ouvi os padres da Rua pela primeira vez, percebi que tinha chegado ao meu destino, ao fim de tanto tempo...

Obrigado Pai Américo.

Hoje em dia, assumo-me como ser padre dos mais desprotegidos e a oferecer-lhes uma família. Todos os dias me levanto com mais problemas que quando me vou deitar - mas consola-me saber que a minha casa é a Casa deles e a minha vida é a sua...

Padre Rafael