MALANJE

Faz uma semana que me pediram para falar sobre «auto-sustentação do clero» na Diocese. Na altura, pensei que me escolhiam pelo facto de conseguir levar por diante uma família de mais de cem filhos. Depois de pensar, dei-me conta que se lhes dissesse a verdade, eles não acreditariam em mim. Para salvar a situação, li-lhes o que a Igreja tem escrito sobre o tema.

Aqui, no Jornal O GAIATO, sim. Sei que me vão entender. Em primeiro lugar, não procuramos ser apenas uma família, mas, sim, ser consequentes com o que significa este nome: colocamos tudo em comum e vivemos segundo as nossas possibilidades; Lauro, 19 anos (gaiato-tesoureiro), faz um resumo mensal do que recebemos e do que gastamos em nossa Casa do Gaiato. Em segundo lugar, somos todos responsáveis de todos e de tudo; «Rato», 15 anos (chefe do refeitório), hoje disse que faltam alguns garfos e pratos, e recorda que a louça é de todos. Em terceiro lugar, educar no trabalho; Miguelito, 11 anos (chefe dos «Batatinhas»), todas as tardes, depois de apanharem os papéis espalhados pela nossa Aldeia, explica o importante que é ter tudo limpo e brinca um pouco com eles - e assim poderíamos falar de natureza, liberdade, educação, espiritualidade... Todos da família, para família, pela família... Uma família de portas abertas... ninguém se pode sentir estranho.

Outro segredo, como dizia Pai Américo, é poupar... e depois, poupar. Poupar, não para acumular, mas para não esgotar o que temos e podermos partilhar com os outros: Barrigas!, leva essa camisa para que a cosam, ainda serve para o trabalho... Zezinho!, faz um balde com essa caixa para guardar o lixo... Tilson!, esse caderno ainda tem folhas em branco... Vejeta!, diz ao Avozinho que compre arroz em tal tenda, que é mais barato... Não nos cansamos de poupar para que chegue para todos.

E este é o último e para muitos o mais difícil: Mendigar! Somos pais que, depois de trabalhar e fazer tudo, sabem que não vão conseguir sustentar uma família tão grande. Pais que sempre têm a pobreza chamando à sua porta e que sabem que é dando que se recebe... agora com mais insistência porque se acabou o leite e o atum... já estamos acostumados com o nosso arroz com feijão todos os dias... E há tantos que nem isso têm na nossa Angola... tantos que apenas comem uma vez ao dia!

Não nos queixamos: Mendigamos! Tão pouco queremos do que te sobra - pedimos o que necessitamos.

A avó Maria chegou e disse que não tinha nada para comer. O chefe da despensa diminui dois quilos de arroz, um litro de azeite e um pouco de sal à comida da semana para lhe dar.

Não podemos pedir nada que não estejamos dispostos a dar...

Agora mesmo, a Irmã Quitéria colocou um quadro diante de mim, «para que se inspire», disse. O quadro tem dois meninos e uma menina sorrindo. Não sei porquê, nem quem os pintou. O mais importante é que se riem os três - e me parece que se riem de mim ou que se querem rir comigo... Assim, vou-me deixar ficar a desfrutar o quadro.

Feliz dia!

Padre Rafael