ERA O ANO I, N.º 10
Um episódio
Eu chegara de fora e o porteiro deu-me recado de que o Augusto e o Ernesto haviam fugido naquela manhã. Não é de dizer a ninguém toda a amargura que vai no seio destas notícias; não é! Outro que fora, não se me dava tanto, mas o pequenino Ernesto de 7 anos de idade, vivo, inteligente, - gatuno! Entrei. Ouvi a mesma notícia da boca de inúmeros deles, inconscientes do mal que ia dentro de mim: FUGIRAM DOIS!
São horas de grande prova.
À tardinha, chega o Augusto com novidades. Conta de que nas alturas de Valongo, descobriu que o Ernesto levava 90$00 em notas e duas jóias; de como este lhe dissera que no Porto haviam de negociar as ditas jóias numa casa de penhores e repartir o dinheiro; da luta que houve de sustentar com o pequenino Ernesto para lhe tirar o furto e, finalmente, de como ele desaparecera por entre os milheirais dos campos.
O regresso do Augusto, munido do roubo, foi alívio, sim; mas eu queria o ladrão! Ele era meu desde Fevereiro. Disse-me, ao chegar à nossa casa, ser de Resende, ter fugido para o Porto, não saber de pai nem mãe; — e tinha já dado provas decisivas e repetidas do seu jeito de roubar. Eu queria o larápio, não o furto!
Subi ao sítio onde se está erguendo a nossa aldeia, desanimado. Pedreiros a cantar às pedras, levantam edifícios de maravilha. Muito triste pela perda do pequenino, balbuciei a prece do Sacerdote: — «Pai Celeste, eles são Vossos; não peço que os tireis do mundo, mas sim que os livreis dos males do mundo».
Ele é absolutamente impossível, que Deus não escute quem chama com alma. Chegou o Ernesto, disse-me o Durães.
Nessa mesma noite houve julgamento. Foram chamados à barra o pequenino salvado mai-lo salvador. Se estas crianças não olham a própria consciência nestes julgamentos, já a não têm noutros julgamentos!
Tinha enfeitiçado o Augusto para fugir com ele e sucede que se vira o feitiço contra o feiticeiro. Quando Deus quer, até das pedras saem filhos de Abraão.
Pai Américo