DA NOSSA VIDA
Mais uma vez partimos do nosso ERA O ANO I, desta vez o N.º 14, porque nos inquieta e desinstala o nosso pensamento. Essa edição d'O GAIATO, de 3 de Setembro de 1944, é toda ela cheia de irrupções de fogo que nos queima e interroga. De todas elas brotam apelos e também respostas a eles, corajosas. E sempre, a palavra incisiva e iluminadora de Pai Américo, mas também ferida e determinada na esperança e confiança na Providência de Deus, presente.
74 anos nos separam no tempo. Certamente que o pensamento de todos será o de saber como as coisas do mundo mudaram, para melhor ou pior. Caberá a quem tiver os instrumentos para isso, estabelecer o paralelo e traçar a resultante. Em nós, trabalhadores do espírito para que a alma dos homens e o que é material melhorem, causa-nos um suave sentimento de alegria mas também de inquietação, verificar como é verdade a expressão de Pai Américo, encontrada noutros lugares, de que são os pobres que ajudam os pobres; são os pobres que sentem e sofrem as carências dos deserdados, porque também o são ou já foram.
Neste mundo ocidental em que vivemos, que tem nos milhões, diariamente ditos e propagandeados como se fossem a garantia do pão dos pobres e a definitiva solução para os problemas da humanidade, sentimos a sua força anestesiante e os efeitos desmobilizadores que provocam, porque fica a ideia que já não são precisos os samaritanos nem vale a pena perder a vida por causa do ideal de seguir Jesus Cristo nos outros. Bastará simplesmente seguir as orientações Superiores, de cuja aplicação das suas leis resultará a resolução de todos os problemas.
A verdade do que sentimos é que se exteriormente as carências materiais diminuíram, diminuiu também a qualidade de vida interior das pessoas, porque deixaram de ser responsáveis pelas suas carências e dos outros e de participar na sua resolução. Houve simplesmente um desvio de responsabilidades, que passou do cidadão comum para os dirigentes Superiores que organizam e distribuem os milhões, fazendo anémicas, arrastadas, que vegetam em vez de viver, todos os que perdem, por via disso, a alegria de viver, porque, como diz com toda a verdade o Apóstolo, há mais alegria em dar do que em receber.
Falamos do lado de cá; mas se nos afastarmos algumas centenas de quilómetros em direcção ao sul, toda a realidade muda: as carências são outras, o sentido do viver é outro e os milhões estão ainda longe da vida do cidadão comum.
As carências materiais generalizadas de há 74 anos não se desejam, nem semelhantes que acontecem hoje noutras latitudes, deseja-se sim que se descubra que é na vida que há vida em abundância, que só a vida participada e partilhada impede que vazios se cavem na vida humana, que a liberdade de promover a vida humana, com frutos reconhecidos, não é necessariamente marginal à sociedade, ainda que praticada de maneira irreverente mas respeitadora e sadia.
Padre Júlio