DA NOSSA VIDA
Pobres
Há já uns meses que não vinha pedir ajuda esta Maria. Mulher de meia idade, com problemas de saúde mental, entregue a si mesma. Quando não tem dinheiro para pagar alguma obrigação, vem bater à nossa porta em tom suplicante. Durante vários meses, a espaços, era para o quarto. Como recebia o RSI, disse-lhe que tinha de empregar esse subsídio na renda e que a ajudaríamos nos medicamentos quando precisasse. Ultimamente parecia estar tudo a correr-lhe com normalidade. Mas, uma carta a convocá-la para uma entrevista na segurança social não lhe chegou às mãos, pelo que não compareceu, o que implicou suspenderem-lhe o RSI. Vinha agora sob a ameaça de ir para a rua: A senhoria diz que me põe fora hoje se não pagar. Os meses e os anos da sua vida passam-se nesta normalidade. A minha família não quer saber de mim, diz soluçando. É uma história que se repete, desta vez com um ano de intervalo.
Uma mãe, ainda muito jovem, volta também, desta vez passados quatro meses. Diz que o companheiro, pai dos seus dois filhos, está preso porque não pagou umas multas. Faço-lhe ver a necessidade de ter de trabalhar para poder enfrentar as despesas dela e dos filhos. Que não tem o 9.º ano e, por isso, não tem conseguido arranjar trabalho. Ajude-me ao menos com meio mês de renda, pede dolorosa. O pai dos meus filhos diz que quando sair vai-mos tirar; eu quero-os comigo. Do meio mês passei a um mês completo, directamente à senhoria. O RSI que recebe é para o mesmo destino. Quase nada sobra... São cinco euros de cada um para o infantário. Pobre, na flor na idade. Desregulação social.
Ainda outra mãe de três filhos, numa primeira visita. Denota muitas privações que a empurraram para nos procurar. Hoje é difícil descobrir os Pobres. No emaranhado das ruas e nas casas aparentemente equilibradas não se adivinha o que lhes vai lá dentro. Estes, vivem numa casa alugada, há dois anos. O Estado dá-lhe os abonos de família e um pequeno apoio familiar por um dos filhos, o mais novo, nascido de parto prematuro, que tem sequelas graves de saúde. Os Pobres ainda têm filhos, mas quantos desequilíbrios nas suas vidas que se repercutirão e multiplicarão no futuro! Há, de facto, muita desregulação social, uma inexistência de moral que os comprometa. A ausência de consciência moral, pessoal, familiar e comunitária dessocializa estas gerações. Não será o futebol a congregar o povo. Então quem? Quem habita no coração do homem... Esta mulher que reflecte as suas dores, diz que quer trabalhar. Mas como? Dos dois meses de renda, em atraso, que a afligem, encontrou agora algum alívio. Por enquanto...
Dos Pobres que nos procuram, elas são em grande maioria. O peso das dificuldades familiares é sobre elas que cai. Estão obrigadas, pelas circunstâncias, a tomar a iniciativa de as procurar atenuar. Eles, facilmente se desculpabilizam e desresponsabilizam, metem pés ao caminho e vão.
O local do País onde estamos é, segundo as estatísticas, aquele onde há mais casos de prestações de RSI. Também aqui, como é óbvio, elas são maioria. É uma fraca e cara cana, que nada pesca e que instala os Pobres numa rotinice entorpecida. É uma aspirina que, como aquela, vale o que vale. Mas não insere.
Nós, também, só remediamos. O Património dos Pobres foi solução habitacional para muitos e muitas famílias Pobres. Ainda hoje é. Mas quem se compromete com eles? Até mesmo o Estado os põe a pagar IMI!
Padre Júlio