DA NOSSA VIDA
Criados à semelhança de Deus, partilhamos, por isso, da Sua essência: amar. Deus não faz mais que amar, tudo n'Ele é amor. Ao longo dos séculos, os homens vão repetindo esta verdade, conhecida, intuída ou deduzida, mas pouco ou dificilmente por nós totalmente vivida.
Ligou-me uma senhora, amiga e visitante da nossa Obra, das várias Casas, de há bastantes anos. Tenho receio de dar pormenores dos momentos mais marcantes que partilhou. Noutra situação passada, outros deduziram e descobriram de quem se falava. Em resumo, teve a perda dos seus, da sua família nuclear, ficando sozinha. Pensei, para mim, como será difícil a sua vida!
Ao contrário de desalento ou revolta, percebi a sua sede de ajudar amando. Tinha necessidade de falar, e a partilha dos acontecimentos mais marcantes vinham em catadupa, mas de forma muito controlada. Falava das passagens pelas Casas do Gaiato e das inter-relações vividas. Depois, sobre a sua vida já sem os seus. Dizia o quanto gostava de ajudar, necessariamente em conjunto com outras pessoas.
A sua comunicação, embora extensa nos horizontes que apontou, foi muito curta no tempo. Dez minutos foram suficientes para comunicar uma vida marcada pela dor mas, ao mesmo tempo, sem o pretender, foi clara em mostrar que é o amor que a comanda.
Ainda há dias alguém falava da brevidade em que Pai Américo fez a Obra da Rua, nos seus últimos dezasseis anos de vida, depois de outros onze já padre e de outros quarenta e dois (muitos deles que chamou de "anos perdidos"). O imperativo AMA, com toda a verdade no seu nome, acompanhou-o na vida.
Se para Deus, como diz a Escritura, mil anos são como um dia, vemos como o tempo está subjugado ao amor, pelo que então pouco conta. Para fazermos muito, a partir do que nos assemelha a Deus, não é preciso muito tempo. O que carece de mais tempo e é um processo mais difícil, é encontrarmo-nos no essencial da verdade que somos, vivendo como quem não conta o tempo nem se deixa determinar pelo que é perecível.
Padre Júlio