DA NOSSA VIDA

Ai! Porto, Porto, quão tarde te conheci!

Por esta altura, há 75 anos, Pai Américo começava a levar à prática o sonho arrojado de construir, de raiz, uma Aldeia de Rapazes para os maltrapilhos das ruas do Porto. Havendo já exercido na rua a paternidade para com eles, no dar-lhes pão para mitigarem a fome e palavras novas para lhes começar a sarar as doenças da alma, quis fazê-lo de modo curativo, não paliativo, ao lançar as bases da Casa do Gaiato das Ruas do Porto, em 1943.

Os claustros do Mosteiro de Paço de Sousa, em estado degradado por motivos de incêndio, foram as instalações em que sediou a nova comunidade familiar nascente, base humana para a construção da grande família em que se veio a tornar. A quinta anexa, outrora sob a orientação dos monges beneditinos, começava agora a ser amanhada pelos Rapazes que assim a faziam sua, enquanto na encosta oposta, operários carreavam pedras de variadas dimensões e as consolidavam umas sobre as outras, executando o risco previamente traçado pelo arquitecto Teixeira Lopes, cumprido o gosto de Pai Américo. Casas de habitação, capela, oficinas, hospital, escola, iam subindo da terra por ordem de prioridade, tendo em conta as necessidades e finalidades desta Aldeia familiar e educativa, estruturante de vidas com dimensão humana e divina, qual santuário de almas.

A par, imensos curiosos e admiradores deslocavam-se de longe, de camioneta, de carro, de comboio ou a pé, para confirmarem o que se dizia à boca cheia, de que o Padre Américo estava a fazer uma linda Aldeia nesta localidade milenar de Paço de Sousa, para os garotos da rua. De críticas e reparos à bondade do que ali era oferecido aos deserdados e sem família, mas também de elogios de corações exultantes de alegria, espalhava-se a novidade de uma Obra que aquecia os corações e dava ânimo para uma maior justiça e reparação social. Anuiu o Governo e o Povo fez sua esta Obra, e muitos se quiseram destacar, anonimamente, para lançar fortes impulsos nas obras que avançaram rapidamente.

Depressa, pois, se construíram as bases para o naturalmente lento crescimento de cada habitante desta Aldeia portuguesa, para que não lhes faltassem os meios e os apoios necessários que cumprissem o seu fim - fazer de cada Rapaz um homem. Grande e grave responsabilidade que Pai Américo assumiu e transmitiu aos seus continuadores, os quais hoje, passados 75 anos, assinalamos ao levantar este marco de diamante, do qual se pode descobrir na história, os reflexos da sua única e multifacetada personalidade, vertida numa Obra que deitou por terra os velhos métodos da Assistência, e rasgou novos horizontes de fé na boa terra que cada Rapaz é quando instalado no que é seu: Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes.

Padre Júlio