Beire
Flashs do quotidiano...
Um mistério que RE+LUZ... A presença do Mistério seduz-me e encanta-me. Faz-me mergulhar nele. Crio grelhas de leitura que me dão a ilusão de que estou a entender... Fico feliz. Como quem se banha em cheio num mar sem fim. Mas logo vejo mais além. Vejo que, afinal, ainda não vejo... E dou razão a S. João Evangelista quando nos diz que "aquilo que somos ainda está para acontecer". Salta-me o velho Isaías - ... ah ah ah ah que eu não sei falar.
Encanta-me poder ler coisas assim: "Jesus chamou Pai ao Mistério da Vida que nos envolve". Saído da pena de um grande teólogo, ainda vivo - J. A. Pagola. Claro que Jesus nunca falou em mistérios... Falou de VIDA - eu sou a Vida. Falou do Pai - eu e o Pai somos UM. (...) Vim para que sejais UM com o Pai. É-nos, pois, legítimo falar deste Grande Mistério como "Pai / Mãe em quem somos e vivemos". Que sedução esta! Que sedução ISTO!
O que mais me encanta aqui no Calvário e C. do G. de Beire é o esbarrar contínuo neste "Mistério da Vida que nos envolve". Uma Vida de que também sou parte, mas que me ultrapassa. Porque estou talhado, nascido para ser / dar Mais Vida. Vida em Abun-dância.
COM DEUS, ELE ATÉ "FALA"... Hoje na capela do Calvário, porque temos cá P.e Telmo, não há o Terço das 17:00h. Presidido pela menina Alice - a ceguinha dos olhos do corpo, que vê mais longe com os olhos do coração. Hoje há Missa. E, como é habitual, o sr. Manuel lá está. Mas atrás da porta... Como que escondido dos homens. Sempre atento a tudo. Com os rituais de todos. Até o ir ao banco que lhe fica em frente, para ajoelhar, no momento da Consagração. (...) Será que ele se esconde dos homens para se sentir mais perto de Deus?!...
Discretamente, observo-o. Enterneço-me. À hora da comunhão, quase me apeteceu ir buscá-lo. Levá-lo, para comungar connosco... Mas não sei como fazer. Ali, Deus e sr. Manuel, há um outro mundo que me é vedado. Recordo o que já escrevi, sobre ambos, n'A festa dos musgos no Calvário... (Ver J188O de 02.04.16). E recordo também outras cenas que não escrevi, mas gostaria de ter escrito. Por exemplo, o seu ar angélico a rezar o Pai Nosso, em coro, pausadamente - numa liturgia perfeita. Bem integrado no grupo. Foi lá em cima, ao nosso Campo Santo, em Dia de Fiéis Defuntos...
Sempre solitário, se o tempo assim o permite, num frenesi constante, sr. Manuel percorre todos os caminhos e atalhos da nossa quinta. E, se apanha a porta da rua aberta, logo sai e estende o passeio até Bitarães, Beire, Louredo. O bom humor do sr. Júlio comenta - ... Lá vai o conta quilómeros... - Rimos, saudavelmente. Mas, o sr. Manuel não para. Se nos aproximamos, foge... Quando cruzamos ou se esbarra connosco, dá meia volta e desparece... Se metemos conversa, estamos sujeitos a uma sarabanda, nem sempre pacífica... Às vezes, coisa rara, sorri e aceita que nos aproximemos. Parece até que agradece e quer falar. Mas logo tropeça, lá por dentro, não sei em que obstáculos. E foge como que para, ainda a tempo, esconder as quedas da sua vulnerabilidade...
Com Deus não é assim. Parece que, a sós com Ele, os dois se entendem bem. Até sorri. Como quem se sente compreendido e aceite. Irradia proximidade e parece nimbado pela candura das crianças. Tudo flui com a abundância e serenidade de um místico ou, se quisermos, de um crente normal. Desses que caiem dentro da norma dos 80% que a sociometria pede...
Para a sociometria, ele não cabe aí. Não atinge o mínimo dos 10%. É um a+normal. Mas, ao vê-lo diante de Deus, aí tudo muda. É uma média superior, a puxar para cima... Por isso me apeteceu ir buscá-lo e levá-lo a comungar. Sei que nem ele nem eu estamos preparados. Mas também sei que, se Jesus se fez "pão descido dos céus" ("carne eucarística"...), não foi só para os "normais"... Ele se faz Pão para todos. (Lembrem-se da Tinita. Ver J1899, de 24.12.16). Fez-Se pão por amor de nós - pobres pecadores. Em quem sabia descobrir insuspeitadas riquezas de amor (casos de Zaqueu, Maria de Magdala, ...). E, graças a Ele, até eu vi que o sr. Manuel rezava, sozinho, na mata, frente ao nascer do sol; e vi também que, lá em cima, no Campo Santo, rezava em coro o Pai Nosso, com o seu grupo de pertença. Ele, o solitário.
Um Admirador