CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA

A necessidade de organizar melhor o dar

Na crónica anterior falou-se das dificuldades do dar. Podia fazer-se muito mais por um mundo melhor se houvesse mais disponibilidade de cada pessoa para ajudar os outros, mesmo que esta ajuda possa ser muito "pouco". O "pouco" de muitos, todo junto, faz muito, mas, às vezes, nem é o muito que é preciso para fazer a diferença para melhor na vida doutras pessoas.

Hoje continuamos com este assunto, para falar sobre uma outra dificuldade do dar com que nos confrontamos por aí todos os dias, na acção vicentina, e noutros espaços de acção social. O dar precisa de ser melhor organizado. Vejamos qual é a situação em que estamos. Temos os Vicentinos e outros grupos ditos "socio-caritativos" orientados principalmente para a ajuda de emergência, num trabalho de contacto pessoal e directo com as pessoas que precisam dessa ajuda. Temos, também, as IPSS e outras organizações do género muito focadas na produção de serviços sociais que, se a missão dessas organizações estiver a ser cumprida, deverá ser preferencialmente para pessoas que não os podem pagar ao seu preço de custo. Temos o Estado que comparticipa parte dos custos dessas organizações e que as regula de uma forma que, muitas vezes, está erradamente eivada de atitudes de "comando e controlo". Temos, também, associações e outras organizações que, alavancadas ou não por alguma oportunidade de financiamento público, ou doutras entidades que querem fazer "investimento social", lançam projectos, certamente com interesse, na generalidade dos casos, mas que, depois acabam quando o financiamento acaba. Temos, ainda, organizações que lançam campanhas de recolha de géneros, de fundos, ou doutros recursos que duram um dia, ou dois e depois acabam.

Poderíamos acrescentar mais a esta lista, mas isto chega para o problema principal que queremos aqui trazer. Esse problema é que, sem pôr em causa a generosidade e o mérito destas e doutras iniciativas, alguma experiência que temos destas actividades mostram-nos que se poderia fazer muito mais e muito melhor se houvesse mais colaboração entre todos, de uma forma organizada e continuada. Não será por má vontade que essa colaboração não existe, embora isto também aconteça. Será, talvez, mais porque não há a comunicação que deveria haver entre todos e espaços onde efectivamente possam partilhar os seus recursos em ordem a projectos comuns que possam ir ao encontro da complexidade dos problemas sociais que é preciso resolver e que tenham a continuidade que é necessária para se conseguir chegar a reais mudanças nas vidas das pessoas que precisam de ajuda. Cada organização, cada grupo, cada iniciativa vive muito "para dentro" e perguntam-se pouco o que poderiam fazer para, em conjunto com outros, conseguir mais e melhor. Também há falta de "espaços" que incentivem e organizem esta partilha de recursos de uma forma que não seja temporária. O lugar natural desses "espaços" só pode ser o das comunidades onde os problemas sociais existem, nomeadamente, o bairro, a freguesia, ou outro nível territorial do género. Terá que ser a este nível local, com as pessoas e organizações que aí estão em permanência, que esses espaços de motivação e de organização da partilha de recursos em ordem ao Bem Comum terão que ser criados. Estes "espaços" também precisam de lideranças servidoras e não de gente que se queira servir deles para benefício próprio, ou de "consultores", ou "especialistas" que por lá passam para debitar a sua ciência.

Os Vicentinos têm características que poucos mais têm para serem um alfobre destas lideranças servidoras e desses "espaços de partilha": o seu nível de acção é o nível local e, mais ainda do que o local, é o do contacto pessoal e directo com as pessoas que precisam de ajuda; a sua motivação não pode ser o seu benefício individual; os Vicentinos não estão de passagem nas comunidades onde trabalham; as Conferências Vicentinas são pobres, não tendo património ou outros recursos que queiram egoisticamente defender. Por tudo isto, talvez valha a pena o movimento vicentino reflectir mais, suscitar novas ideias e experimentar iniciativas concretas que vão no sentido atrás referido. Não há aqui nenhum "guia de instruções", nem nenhum "mapa de estradas" pré-definidos sobre o que fazer e como fazer. Isso terá que ser encontrado em cada comunidade. A única coisa segura que se pode dizer e que vale para todos os sítios é que se o dar for melhor organizado, nesse sentido de mais e melhor partilha de recursos, poderemos fazer mais e melhor por um mundo mais justo. Os Vicentinos podem e devem dar o seu contributo neste sentido.

Américo Mendes