CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA

PARTILHA SOLIDÁRIA: JUNTANDO O "POUCO" DE MUITOS PODE FAZER-SE "MUITO" 

Voltamos a um tema que já por aqui passou várias vezes, mas ao qual nunca é de mais regressar porque está no cerne da actividade Vicentina. O tema volta a vir a propósito por causa de notícias e de muita discussão que anda por aí sobre instituições de solidariedade social e de situações que aconteceram e continuam a acontecer no trabalho que fazemos, mas cujos detalhes não interessam aqui ser expostos. O tema também nos voltou a vir à lembrança pelos belos testemunhos de vida de leitores que vêm parar ao nosso contacto telefónico. Estou a falar da partilha, ou, mais precisamente da partilha solidária.

A actividade vicentina é isto, ou deve ser isto: darmos, em primeiro lugar, o nosso tempo para irmos, de forma o mais discreta possível, ao encontro de pessoas que precisam de ajuda, lá onde elas vivem, ajuda essa que pode ter a forma material, mas que não é só isso, nem deve ser essencialmente isso. Este irmos ao encontro de quem precisa de ajuda não deve ser com o intuito de obtermos em troca por parte dessas pessoas, ou de outras, alguma forma de fama, ou de proveito.

Praticando a partilha como deve ser, seria bom que pudéssemos motivar outras pessoas a fazê-lo connosco, ou com outros, incluindo nessas pessoas aquelas a quem procuramos ajudar.

Quando assim é estamos a fazer uma coisa maravilhosa (um "milagre") que nos Evangelhos dá pelo nome de "Milagre da Multiplicação dos Pães". Nesta situação que os Evangelhos descrevem, pelo menos, uma parte das pessoas que lá estavam a ouvir Jesus tinham levado o seu farnel, com certeza uns um farnel maior e outros um mais pequeno. O que aconteceu foi que, até Jesus ter dado o Seu sinal de partilha, cada uma dessas pessoas estava a guardar esse farnel só para si. Quando todos seguiram o exemplo de Jesus foi o que se viu: a comida chegou para todos e sobrou.

A palavra "partilha" anda agora muito na moda por esse mundo fora e também por cá nos assuntos da economia social. Isso não é mau. O que é mau é quando se deturpa o que deveria ser o sentido do termo "partilha". Estamos a referir-nos às formas de partilha que não são verdadeiramente solidárias, no sentido que atrás definimos, mas sim àquelas em quem "partilha" o faz numa atitude "comercial". Com isto queremos dizer ceder a outros, a troco de dinheiro, capacidade sub-utilizada de um bem que é nosso. É isto que acontece com negócios do género da Uber (partilha de viatura para serviços de táxi), ou a Airbnb (partilha de habitação para alojamento turístico). Mas também é "comercial" a "partilha" quando, por exemplo, se faz "voluntariado" na expectativa de se arranjar emprego, ou outro tipo de vantagem da parte da instituição onde esse "voluntariado" é exercido, ou quando se "ajuda" alguém, ou alguma causa para andar a correr atrás da fama, ou de algum proveito.

É por isso que a partilha solidária é muito difícil. Mesmo quando há iniciativas que pretendem ser de partilha solidária, por querer, ou sem querer o risco é grande de degenerarem em situações de partilha "comercial".

Por isso, os Evangelhos têm lá o "Milagre da Multiplicação dos Pães" a lembrar-nos sempre sobre o que deve ser a verdadeira partilha e o que de maravilhoso ("miraculoso") se pode conseguir quando ela acontece.

Américo Mendes