BEIRE
No rescaldo dos 130 anos de Pai Américo
Recordar um amor é amar (e/ou sofrer) outra vez... Desde há 60 e muitos anos que Pai Américo é, no mais fundo de mim, um poderoso leit-motiv do meu viver. Em sonhos de crescimento pessoal, paz e alegria, como fontes de um vitalizante sentido para a vida. Não sei explicar porquês, mas sei que ISSO já teve e continua a ter efeitos e consequências que me ultrapassam. E, muitas vezes, me deixam perplexo. Como que diante de algum insondável mistério em que vivo. Numa inexplicável experiência vivenciada de abertura a esse "último mistério do cristianismo que é o mistério da comunhão dos santos". Ou, dito de uma maneira que me é mais clarificadora, porque mais universal: o "mistério da comunhão d'O Santo". O "santo"!... Isto é, O BEM, O MELHOR para todos. Que, na linguagem de hoje, aparece como mira dos homens de boa vontade. The common good of humanity. Common Home of Humanity. De que o Papa Francisco se faz eco na encíclica Laudato si, que está a mexer o mundo. Fenómenos humanos de sabor divino que me encantam e em que procuro mergulhar. Para descobrir suas insondáveis riquezas. Obrigado Pai Américo pelas portas novas que sempre abres na minha mente.
Acontece que, a 21.07.17, na Universidade Católica - polo do Porto — numa homenagem conjunta de recordações e acção de graças a Pai Américo, a Pe Telmo e Pe Baptista, fui desafiado a deixar também ali as minhas intrigantes memórias do coração, nesta matéria. Especificamente em relação a Pai Américo. Em boa hora disse sim (sei lá eu porquê) e acontece que para lá do feedback, em quente, recebido naquele dia, mais tarde, Pe Manuel Mendes diz-me que aquilo devia ser publicado. A provocação ficou no ar e, volta e meia, cá anda ela a remoer. Agora, porque entre o último nº d'O Gaiato (o 1939), de 07.07.18, e o próximo a sair (curiosamente a 21.07.18) ocorre a nossa anual Festa da Obra, achei que era chegada a hora de rescaldar esses momentos. O último empurrão é-me dado por Pe Telmo nos seus inconfundíveis Sinais, no supracitado nº 1939: "No dia 16 de Julho estaremos juntos. Que bom — se muitos gaiatos antigos viessem e em comum, com palavras e lágrimas, comungarmos os problemas da Obra: levarmos mais longe o nosso O GAIATO, os livros de Pai Américo e o conhecimento da Obra a uma população nova que já não a conhece".
Saudade e fermento para levedar a massa... A seu tempo, irá mais. Por hoje, vai este bocadinho do texto que, naquele dia, partilhei lá na Universidade Católica: "Porque ACREDITO que 'viver é colher o seu próprio cacho de oportunidades na vinha da aventura' e porque me foi dada esta oportunidade, deixai-me falar-vos de uma vida que, tendo nascido há 130 anos, marcou e continua a marcar tantas vidas. Marcou e continua a marcar a minha vida. Então, a coisa foi (continua a ser!) assim:
Era Outubro de 1949. Andava eu nos meus 12 anitos de menino labrego. Acredito que, levado por esse "Espírito" que pairava sobre o caos (Gn 1, 2) e que deu início a uma Criação que ainda não parou, fui parar à Escola Claustral do Mosteiro de Singeverga. Pela 1ª vez, tive contacto com o jornal O Gaiato. Que, às refeições, era lido, quase na íntegra, para toda a comunidade dos alunos dessa Escola Claustral. Logo depois, em Março de 1951, fui/fomos a pé de Singeverga (Roriz, Vila das Aves) a Paço de Sousa (uns trinta e tantos kms, ida e volta). Pela primeira vez, vi Pai Américo. Passava em frente às escolas, na direcção das Oficinas, com o seu clássico chapéu de palha de abas largas... Sem me dar bem conta disso, foi nascendo em mim uma paixão que me levava a, sempre que podia, ir ao púlpito do refeitório buscar o jornal O Gaiato para, quase às escondidas, reler e muitas vezes copiar frases ouvidas que me tinham tocado.
Como aprendiz de vivente que ainda me sinto, depressa comecei a questionar-me sobre QUEM e sobre O QUÊ me tocava tanto. Era Pai Américo, que eu mal conhecia, ou era aquele Jesus - o carpinteiro de Nazaré — que eu procurava conhecer e que ele — Pai Américo — já seguia de uma forma que me interpelava daquela maneira?! Ou era já eu em busca de mim?! (Esta etapa ainda se mantém). Depois, novas interrogações: Porque é que ele — o Pai Américo — arrastou (e ainda arrasta) tanta gente que, sendo tão pobre, ajudou/a a criar esta Obra da Rua, tão multifacetada: de rapazes, de doentes, de pobres (Património), de auto construtores de suas casas, (...)?! Qual era/é o segredo desse seu jeito de estar no/com o mundo que, no dizer da encíclica Alegria do Evangelho (nº 131) era já um dinamismo evangelizador que actua por atracção" ?
Devotos de um santuário do Deus Vivo... Prometo que continuarei a partilhar convosco esse texto que me foi saindo assim como que num descongelar memórias do coração. Que, de um modo quase inconsciente, me vêm dando mais vida à vida. Mas porque os limites do jornal no-lo impõem, por agora, ficamo-nos com esta interrogação: De onde vem esta verdadeira devoção pelas nossas Casas do Gaiato? E, muito particularmente, por este Calvário / Casa do Gaiato de Beire? Visitam-nos, ajudam-nos de mil e uma maneira, incentivam-nos a continuar, divulgam o jornal O Gaiato, (...). Agem como se, ao entrar aqui, entrassem num santuário em que o próprio Deus está vivo, ainda que crucificado, em cada um dos nossos utentes.
Um admirador