BEIRE

Como seria triste o Calvário, se…

UMA ROSEIRA PARA PLANTAR. Pelas mãos de uma Aprendiz de Voluntária aqui no Calvário / Casa dos Rapazes, o poema chegou até mim. Saiu da pena de uma grande mulher chilena, Prémio Nobel da Literatura em 1945. Deu-lhe por título A Imensa Alegria de Servir. Essa mulher já deixou este nosso mundo em 1957. Andava eu de volta dos meus 20 anos, a rebentar de sonhos e de esperanças. Já deixou este mundo. Mas ao deixá-lo — que santa inveja eu sinto dela - deixou-o mais rico. Porque ela ex+(s)istiu nele. A lutar para que a sua reduzida pegada biológica deixasse para nós a marca de uma grande pegada biográfica. Na mira da construção de um mundo melhor. Um mundo onde ainda vale a pena lutar e sonhar por fazer dele um crescente "reino dos Céus". Isto é, um mundo onde também Deus possa reinar. No respeito, no reconhecimento, na aceitação e no carinho de que todos necessitamos. E a que todos temos direito a receber e todos temos o dever de dar. Naquela arte de nos amarmos uns aos outros — como Eu vos amei, (Jo 15, 12-17).

O poema começa assim: Toda a natureza é um desejo de serviço. // Serve a nuvem, // Serve o vento, // Serve o sulco. A certa altura, prossegue: Como seria triste o mundo // Se tudo já estivesse feito, // Se não houvesse uma roseira para plantar, // Uma iniciativa para Lutar! E logo refere que (...) há pequenos préstimos que são bons Serviços. Fico-me a remoer a extensão e a profundidade destes versos. Porque sofro mesmo só de ver tanta gente (muita dela ainda muito jovem) a vomitar revoltas e tristezas porque não encontra um sentido para esta vida.

E sempre se chega a um ponto em que, passadas as toleimas dos verdes anos, o problema se nos põe: Afinal, vive-se, ex(s)iste-se, sofre-se, luta-se, ..., para quê ?!... E nós aqui com tanto Serviço. Que, se feito com a Alegria de Servir, gera tanto sentido na vida de tanta gente!!!

O NOSSO CALVÁRIO E OUTROS CALVÁRIOS... Paro-me a olhar o nosso Calvário. E os muitos "calvários" em que tantas vezes já me vi. Mais ainda, tantos "calvários" que nos batem à porta, com cruzes bem pesadas. Para desabafar e/ou pedir ajuda. Vidas que são mesmo um calvário! Nem sempre alumiado por essa luz que escorre da Boa Nova da RE+Surreição, anunciada passa já dos 2.000 anos. Alegro-me que o nosso Calvário, no expressivo dizer de Pai Américo, seja "uma palavra tirada do Evangelho", para anunciar uma "obra humana", mas de "sabor divino". Porque, das minhas muitas e variadas experiências, sempre chego à mesma conclusão: todo o "calvário" vira "inferno" se não segue pela via da RE+Surreição. É que, já naquele tempo, havia dois calvários diferentes - o do mau e o do bom ladrão... (Tão ladrão, mas "tão bom" que até roubou o Paraíso, mesmo à última hora...).

Fico-me a com+TEMPL+ar d'o que por aqui se passa. Em sua suculenta variedade. É um esbagoar de contas de rosário e/ou um cantar de lindas estrofes de um Hino de Acção de Graças. Deixo que as doces memórias do coração venham ao de cima e selecciono estes dois casos:

a) O Manel Mau, nosso Semanuel mouco. Que, assim sem qualquer sinal que no-lo fizesse prever, partiu para o Pai, como um passarinho que é chamado durante o voo. Deteriorado por anos e anos de álcool e sem abrigo. Não parava em sítio nenhum. Até que, alquebrado e já sem forças para fugir de si, mão amiga entregou-no-lo para ser dos nossos. Um misto de resmungão agressivo e de resignação confiante. Tantas vezes até com laivos de ternura. Ai como me lembro do seu rezar — lá do jeito que ainda lhe ficou dos tempos de menino. Se o apanhávamos em dia que pudéssemos conversar, lá na sua cadeirinha, na varanda dos homens. Apontava os aviões que passavam no alto e sempre nos dizia que vai para o Brasil. Tenho lá família... E logo acrescentava: O de lá de cima é que manda tudo. Eu ainda sei rezar. Mas só aquelas mais pequeninas... Das outras já não me lembro. Ele é que manda tudo!

Era a sua forma de partilhar connosco o que já fora. Família emigrada que fez fortuna, lá longe, mas que nunca o pôde acolher porque ele não se deixava acolher. Tivemo-lo aqui porque, realmente, nunca soube lidar com a vida. Tornou-se um sem lugar. E aqui é um lugar para esses que não encontram lugar na estalagem (Lc 2, 1-7);

b) O João e a Dina que, no vigor da sua força, foram o braço direito de P.e Telmo, no erguer da Aldeia — Casa do Gaiato de Malanje. Agora, ao fazer 50 anos de casados, escolhem o Calvário para juntar os seus mais próximos. E, com eles e os nossos, celebrar as alegrias e dores, as penas e os trabalhos que sempre souberam acolher, no seu caminhar para a Pátria do Coração — lá onde a RE+Surreição acontece. Que bonito ver assim esta Casa (nesta nossa Capela) servir de Santuário onde dá gosto louvar, em alegre COM+uni(h)ão, o Deus Vivo que Se ergue deste chão que é MAIS VIDA para tanta gente, quando parecia que a vida já se acabara.

Um admirador