BEIRE

Aprender a ver — para crer... Apaixonada pelas neurociências, vejo-a muitas vezes assim meio perdida lá nos mundos da investigação científica. A fé, mesmo que bebida no leite materno, também precisa de alargar horizontes. Porque ciência e fé não são inimigas. São irmãs gémeas. E siamesas — não podem viver separadas sem riscos de vida... Ambas são chamadas a MAIS VIDA e vida em abundância... Um belo dia desafio a "arranjar uma pausa de laboratório" para vir aqui almoçar connosco. Ficaria a conhecer um pouco isto em que estou preso por vontade. Porque, para lá das ciências de laboratório, há ainda as ciências do amor. (...). Que também fazem parte (pelo menos deviam fazer...) das Ciências do Homem. Esse que, sendo imanente, condenado a desaparecer, sempre aspira à eternidade. TRANS+(as)cender(-se). Por isso é que investiga... Basta aprender a ver (mais por dentro do que por fora...) para, bem depressa, DES+cobrir que, afinal, mesmo sendo assim tão (des)humanos como somos, também somos muito de natureza divina. Ver para crer, sim. Mas é preciso educar o olhar, aprender a ver...

Ela veio. Almoçou connosco, no Calvário. Num dia comum, sem nada de especial. Só que também estava P.e Telmo e eu. Conversamos. Tudo conversas de nada. No meio dos doentes que temos... Tudo naquele para, escuta e olha de quem não quer ficar atropelado pelos comboios da vida... Conversas de nada, mas de quem gosta de estar juntos - coisas boas e bonitas, que os laboratórios podem roubar-nos... Passeamos pela Aldeia dos Doentes e pela Casa dos Rapazes. Explicamos. Deixamos que visse. Ciceroneamos. E despedimo-nos, em agradecimentos mútuos. — Aqui respira-se paz —, disse; — aliás, o que mais me tocou nesse velhinho (P.e Telmo) é a paz que inspira. Uma bondade discreta escorre-lhe daquele olhar terno. Parece que vou melhor, muito mais leve.

Ouvindo "ecos" do encontro. À noite toca o telefone. — Já no caminho para o Porto, dei comigo preocupada. O nome Calvário mexeu comigo. Achei-o tétrico. A somar a todos esses quadros de sofrimento que presenciei, tenho medo que percas a tua alegria, o teu bom humor. Medo de que fiques como eles... Rimo-nos de tais sentimentos, partilhados assim com tanta naturalidade. Entre mais conversas de nada, saltaram pétalas douradas de outra profundidade. E de muita ternura. Que, volta e meia, retomamos. E até já me disse que vai arranjando tempo para ler O GAIATO, que passou a receber...

O amor dá-nos asas para voar... Neste Natal, depois daquilo que vi e ouvi (e de algo que até já vos escrevi), repetidas vezes dou comigo com aquele caroço de azeitona a dar voltas na boca... A cena tocou-me. Se calhar também por vir de "una niña indita", lá de uma aldeia perdida nas montanhas do Perú. Mas o certo é que me faz muita luz para explicar à nossa cientista o outro lado do Calvário. Pai Américo, quando lhe deu este nome, explicou-nos que "é um nome tirado do Evangelho. É o resumo de toda a economia da Redenção". E logo acrescentou: "Fazem hoje falta no mundo estes nomes, estas ideias, estas Obras humanas de sabor divino".

Mas vamos à cena da "niña indita", lá do Perú. Arrastando-se montanha acima, com um irmãozito pequeno nos braços, seguia ela de carita alegre. Cruzou-se com o Senhor Cura — sacerdote que preside à comunidade religiosa local: - No te cansas, Joanita? -, perguntou o cura. - Es que es mi hermanito! -, replicou a pequena, toda briosa de si.

Uns dias mais outros menos, mas posso dizer que, todos os dias, eu esbarro com esta niña indita... Aqui na Casa do Gaiato, lá em cima no Calvário. Também pelo telefone e/ou em conversas de nada com os benfeitores que por aqui passam. Querem deixar as suas migalhinhas, de que fazemos o nosso pão de cada dia. Na sua alegria de dar, muitas vezes sem que a mão esquerda saiba o que faz a direita. No silêncio daquele anonimato que a fé lhes pede, eu escuto o seu discreto é que estes também são meus irmãos!...

Um voluntariado flexível, de cara alegre... Nesta quadra natalícia de modo particular, a Casa dos Rapazes e a Aldeia dos Doentes parece que viraram Cidade da Alegria. Um Calvário-Festa, onde a Redenção está a acontecer. Doentes e rapazes espirram alegria por todos os poros. Mostram prendinhas. Falam de lambarices. E do beijar o Menino. Até nas andanças de cuidar da festa (montar e desmontar a mesa para a Eucaristia no salão de festas, preparar a cozinha e enfeitar as mesas para as refeições de todos juntos numa só família), em tudo isto parece que voluntárias/os e assalariadas/os fazem trégua às bulhinhas que tanto desgastam o nosso dia a dia. Os sorrisos de todas/os, o não contabilizar das horas que se vão depressa, a somar àquelas carinhas sofridas onde o brilho dos olhares cativa o coração mais duro, tudo fala de que, quando e onde o amor é, não há cargas pesadas e todo o jugo é ligeiro... (Mt 11, 30). Tudo parece "una niña indita" a gritar aos quatros ventos: — Es que es mi hermanito!

Um admirador