BEIRE
O "outro mar" pode estar no Calvário
Acontece que agora, a filha dela — também já mãe — foi apanhada por uma daquelas doenças que não perdoam. E voltou a precisar da mãe/avó. Que, de coração a sangrar, com a mesma dedicação de antes, voltou a precisar da filha. Necessidades distintas — uma por necessidade de receber e outra por necessidade de dar. Tal e qual já tinha acontecido quando a filha era pequenina. Porque, na caridade, no amor, o dar e o receber formam uma díade, como a cara e a coroa de uma mesma moeda...
Frente a esta situação, fiquei-me a remoer a verdade de uma canção que, na minha juventude, se cantava em muitas Eucaristias. Sempre me tocava fundo, como se tivesse algo a ver comigo: Tu, que nas margens do lago, // Não escolhes nem sábios nem ricos, // Queres somente que eu te siga. E, se a memória me não trai, há nela um versículo que reza assim: Tu necessitas de mim // Pra render os qu'estão cansados. Acredito que ainda há quem se deixe tocar...
2 — O Amor, sinal d'Esperança. O bonito foi que a equipa, aceitando a situação surgida, quis dar àquela mãe sofrida a alegria de manter viva a equipa por ela criada já faz anos. E também nenhuma queria ver-se privada da bênção das quintas-feiras. A bênção daquele dar uma mãozinha à nobre causa do Calvário. Sentiam a falta de alguém a timonar a equipa. Mas não queriam faltar àquelas já suas filhas que tinham gerado no seu coração...
Como, no dizer do povo, Deus nunca fecha uma porta sem que abra logo uma janela, depressa apareceu outra voluntária a oferecer-se. Porque também precisa muito daqueles/as que precisam dela. E é vê-las agora, nesta equipa recomposta, a dar ao Calvário aquele acréscimo de um dinamismo humanizador que actua por atracção... Num discreto render os que estão cansados, neste trabalho da vinha do Senhor onde escasseiam os operários... (Mt 9, 32-38).
Quem vai tendo por hábito auscultar-se por dentro, depressa descobre que, realmente, o amor é mesmo um sinal de esperança. Um sinal discreto e interior. Mas bem vivo e sensível. Quase diria que momentos há em que só mesmo o amor alimenta a esperança. Essa coisa que, em nós, é já hoje a posse actual de um bem futuro... Quer em quem o vive quer naqueles que dele recebem a resposta para as suas necessidades. E, na linguagem dos crentes, Deus necessita de quem, seguindo os passos de Seu filho - Jesus de Nazaré -seja hoje, aqui e agora, um sinal d'esperança. Pela forma como se conduz na vida - a irradiar aquela paz e alegria de que tanto necessitamos todos. Pobres ou ricos, velhos ou novos, doentes ou sãos. Nascidos do e para o Amor, o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa n'Ele...
3 — ... Contigo, ó Calvário, encontrei outro mar... O refrão da referida canção reza assim: Senhor, tu fixaste os meus olhos // E quiseste meu nome chamar; // E eu deixei o meu barco na praia // E contigo encontrei outro mar. Sei que essa coisa da Fé pertence aos mundos de cada um. E sei também que, pela sua d'IGNIdade de ser-pessoa, a fé de cada um sempre merece todo o nosso RE+speito. Essa coisa sagrada de que todos, mesmo quando com deficiência, tanto necessitamos para nos sentirmos gente. Não esqueçam o caso do nosso Carocha «... eu não sou um cachopo; eu sou um home!...» (Ver O Gaiato, n.° 1897, 26.1.16).
E, mesmo experimentando na pele que a com+UNI(c)+ação é sempre muito difícil, dada a insondável subjectividade (riqueza!) de cada um dos interlocutores, quando nos paramos a ouvirmo-nos uns aos outros, depressa experimentamos que, realmente, as pessoas podem encontrar outros mares... Do que ouço, vejo e sinto na pele é que o Calvário tem sido para muitos esse outro mar. Que sacia as fomes / sedes dos que, nos nossos doentes e rapazes, sabem ver gente que precisa de gente. Para também se sentirem gente merecedora de aceitação, reconhecimento, fraternidade. O que é preciso é deixar na praia o barco desta miopia mental que arrastamos desde o berço. Uma miopia mental que nem sempre nos deixa reconhecer que precisamos muito daqueles/as que precisam de nós.
Um Admirador