BEIRE

Por aqui há quadros de enternecer…

1. (...) Tanta gente na descasca das avelãs!... São nove e picos de uma manhã de 5ª feira. De passagem pela, agora semidesactivada cozinha dos rapazes, topo este quadro enternecedor: De volta da grande mesa de mármore, de apoio à cozinha, está uma data deles - Serginho, Tira Picos, Augusto. O Pomba, sentado num banco a cuidar do pé doente, observa e ri. De vez em quando, solta uma gargalhada seca - ninguém sabe bem de quê. Sergito pega na deixa e gargalha também, a bandeiras despregadas. Paulo Sérgio, lá no seu mundo de autista profundo, mantem-se sério, de pé, a olhar sem ver... Nána é o único que bota a mão para ajudar naquela tarefa de partir as avelãs que a quinta nos deu em abundância. Tudo de volta de uma voluntária de sempre que se pode... E sempre para fazer o que for mais necessário e urgente. Se alguém chega e mostra espanto de a ver por cá a desdias e a desoras, explica: Arranjei um bocadinho e dei aqui um salto. Numa casa como esta, uma mulher tem sempre muito que fazer. Lembro palavras de minha mãe, no seu jeito de educar as minhas irmãs. Enterneço-me. Saúdo a todos, e brinco com estes tantos ajudantes/estorvantes... Ela defende-os e explica: Estão todos a ajudar. E dá que fazeres a um e a outro. - É para despacharmos isto daqui... Assim prontinho, serve para aplicar em muitas coisas, fazer uns bolinhos, porque as avelãs são muito ricas em termos alimentares.

Hoje não vi, mas sei que até o Tira Picos consegue ir despejar o lixo, se lhe entregarem a vasilha pronta para isso e lho pedirem com jeitinho. Meio cambaleante, a cair da barriga a baixo, lá vai ele a sorrir, no seu sem jeito para nada, mas feliz por se sentir útil. E o Serginho, se for preciso alguma coisa que tenha a ver com o refeitório ou a cozinha, também ele sabe ir buscar - mesmo que nem sempre acerte logo à primeira...

2. Estes quadros são mais que muitos. Quem se deixar andar por aqui, uma vez e outra, a observar, de olhos bem abertos, descobre quadros destes em cada canto. Precisa é de saber olhar com um coração livre para amar a vida que flui desta gente. Sobretudo quando em contacto directo com a mãe natureza e/ou com pessoas por quem se sintam bem aceites e amados. Aparecem, com mais frequência, na cozinha, como foi agora o caso. Porque é mais por ali que as voluntárias (às vezes formando equipa, p. e., para fazer a marmelada ou as compotas) mostram a sua mestria no saber ser rainhas do lar. E, com aquele calor de mãe que a tudo dá outra vida, lá estão elas a acolher a ninhada que, mal elas chegam, logo aparece.

Vejo-os também na horta quando, logo pela manhã cedo, a nossa assalariada solta o seu coração de mãe e chama cada um pelo seu nome com vozes de enternecer. Qual galinha mãe, boa criadeira, lá vai ela com eles de volta, para logo depois distribuir tarefas. E, sempre com eles por perto, mostra a cada um o que fazer e como se faz. De um lado para outro, atenta a cada um, para dar o exemplo e corrigir desvios. Nas vindimas, na apanha do feijão, na silagem..., aquilo é uma festa. Todos sabem fazer do que são capazes - apanhar uvas do chão, chegar e/ou despejar baldes, carregar cestos para o tractor. E ali, a galinha mãe que congrega debaixo das asas que acalentam, tanto pode ser homem como mulher. Claro que mulher tem mais procura. Mas, se for homem, desde que tenha aquele jeito divino de pai/mãe para lidar com eles, sempre os vejo rodeados de pintainhos... Sei que, na nossa sociedade machistizada, isto nem sempre foi muito bem aceite. E ainda hoje é muito pouco trabalhado. Alegro-me de ver que se começa a entender que, porque Deus é Pai-Mãe, também todo o homem, sem perder a virilidade que lhe é peculiar, pode aprender a lidar com doentes e/ou deficientes como estes. Com ternuras de mãe, sem perdas da virilidade nem da autoridade de pai.

3. Haverá uma vocação para Galinha Mãe?!... Questiono-me sobre se haverá uma vocação peculiar para este cuidar delicado com gente desta. Convenço-me que não. Vejo o jeito com que também o jovem responsável pelo campo e vacaria lida com eles. A delicadeza no trato, a paciência, a arte de criar proximidade sem perdas de autoridade. Com seus jogos bem definidos de simetrias e assimetrias sempre necessárias. Vejo o banho dos homens, dado por mulheres e/ou por homens - uma questão de urgências e disponibilidades. Não sei distinguir quem faz melhor ou põe mais carinho naquele serviço. A ternura com que aquele homenzarrão, aos sábados, desde há 40, dá banho a um Faneca, a um Chico ou um Diamantino não fica a dever nada a mãe nenhuma. - Vá, a água agora está quentinha. Vamos lá, abre as perninhas, levanta o rabinho...

Ai a falta que faz, nestas casas, a presença atempada de uma galinha mãe (nunca a mãe galinha...)! Capaz de amor firme (nunca o amor debilitado...). Capaz de acarinhar. Acalentar. E, se preciso, uma boa bicada, para afastar o abuso dos que impedem os mais fracos de também crescer juntos. Amparados pelo calor de todos.

Deus, a Vida, o Amor sempre está à espera. A decisão é tua.

Um admirador