BEIRE
SABER DE EXPERIÊNCIAS FEITO... Há que dar tempo ao tempo, diz um velho ditado. Há que saber dar tempo ao tempo, diz-nos outra versão do mesmo ditado. Gosto mais desta - há que SABER dar... Porque sempre haverá que distinguir bem o tempo do relógio daqueloutro que poderemos designar por tempo do coração. É que as leis deste não são as mesmas do calendário cronometrado... Penso até que, aquando das Bodas de Caná, Jesus, respondendo que ainda não chegou a minha hora, não falava das horas do relógio. Porque, no relato de S. João 2, 1, afinal a sua hora chegou mesmo logo. A transformação da água em vinho segue-se de imediato à conversa com a mãe, em que tal resposta nos é referida. Parece-nos, pois, que o actuar de Jesus não dependeria só dele... A sua hora estava pendente da PRÉ+disposição dos criados para receber o Actuar do Mestre...
Olho o fenómeno voluntariado e O Quê actua nele. Aqui e por essas instituições fora, onde os voluntários estão. Para humanizar, potenciar, optimizar o serviço que os assalariados prestam. Para tornar presente o Reino de Deus - que sempre é de Serviço Voluntário a quem dele necessita. Tento compreender a diferença pelos frutos que em cada um se produzem. Porque em todo lado (e até dentro de cada um em si mesmo) podemos ver e distinguir bem os voluntários desistentes que, como as casas sobre a areia (Mt 7, 26), sucumbem às primeiras rabanadas de vento contrário; e os voluntários resistentes - esses que, mesmo sentindo, como todos, o vento agreste das mil andanças da vida, resistem e saem bem mais fortalecidos e fecundos.
Parece que o tempo do relógio conta pouco. Conta mais o tempo do coração. Esse que actua lá onde se esconde o preço do tesouro que nos move. Essa pedra preciosa de que fala Mateus, em 13, 45-46. Cuja posse vale mais que tudo o que deixamos para termos esse nosso tempo doado aos que dele mais precisam. Parece que, para actuar capazmente, a força da Pérola do Voluntário precisa encontrar eco na predisposição dos corações onde irá produzir a tal PAZ / Alegria que nada nem ninguém pode roubar (Mt 6, 19)...
TESTEMUNHOS DE QUALIDADE. São mais que muitos os testemunhos que poderia dar aqui sobre as experiências de voluntariado. Experiências de pró e de contra. Que as há de tudo. Com factos bem comprovados. Mas, dado que dos contra, na sábia admoestação paulina, "nem sequer se deve falar entre nós" (Ef 5, 3), fico-me pelos prós. E aduzo aqui aquela entrevista com uma idosa de 85 anos, por ocasião do seu aniversário. Porque, lá na sua comunidade, ela era um exemplo vivo da festa do servir na alegria do "Deus que alegra a minha juventude" (Sl 42, 4). Para finalizar o encontro, a jornalista perguntou-lhe qual o conselho que poderia dar às pessoas da sua idade para que se mantivessem assim bem vivas - a irradiar MAIS VIDA, como nos desafiou o divino Galileu (Jo, 10,10).
«- Bom -, disse-nos aquela idosa -, na nossa idade é muito importante não deixar de usar todo o nosso potencial; de contrário, este esmorece e vai-se-nos embora. É muito importante estar com as pessoas e, sempre que possível, ganhar-se a vida prestando um serviço. É isso que nos mantém vivos e com saúde.
- Posso perguntar-lhe o que é que faz para ganhar a vida na sua idade?
- Cuido de uma senhora doente, que vive sozinha, lá no meu bairro.»
Não há nada que nos mate mais a vida do que não ter ganas de viver... Quando não se tem ou não se encontra algo ou alguém para quem viver, a vida torna-se um fardo pesado. Perde todo o seu fascínio. E, sem dar por isso, a pessoa deteriora-se e vai-se indo...
De nossa própria natureza, todos somos seres de ajuda. Precisamos de nos sentir úteis e necessários. Compete a cada um cuidar de escolher o melhor modo de sentir-se assim.
SEGREDOS DO SER(-se) VOLUNTÁRIO. Esta palavra SER é tramada. Entra em nosso vocabulário quotidiano antes mesmo que saibamos buscar-lhe e saborear-lhe todo o seu significado. Depois, na escola, aprendemo-la como verbo e como substantivo... E se entramos em Filosofia, ui!... Esbarramos com os "mistérios do SER" - a Ontologia do ser... Seus encantos e desencantos. Mas, se não sofremos da peçonha de certezo-dependências, que dá cabo de tantas vidas em plena juventude, aí o fascínio toma conta de nós. Porque o DES+cobrir-se a si próprio como seres-de-busca, sem direito prévio a encontrar a resposta final, isso é experimentar o monte do gozo lá no caminho que leva até ao fim da terra onde fica a passagem do imanente da insatisfação à alegria da esperança de encontrar o Transcendente... Vale a pena buscar as raízes desta fome do SER(-se) voluntário.
Porque tenho a dita de conhecer pessoalmente a Pablo
d'Ors, o novelista e teólogo madrileno a quem o Papa Francisco, directamente,
convidou para seu assessor cultural, encanta-me esta afirmação que lhe apanhei
um dia - (...) o SER, isso que, para os crentes, é a voz de Deus em nós...
Realmente, na peugada de Viktor Frankl, o psiquiatra judeu que conseguiu
sobreviver aos horrores dos campos de concentração nazi, há em nós uma Presença
Ignorada de Deus. E é isto que nos torna incansáveis peregrinos Em Busca de
um Sentido... Penso em P.e Baptista. Nesse seu estilo inconfundível de se referir
a isso quando, abordado por algum candidato a voluntário, respondia secamente: -
Se precisar disto venha; nós não precisamos... Os que resistiram a essa prova
de fogo ainda cá estão alegres e confiantes. Deus louvado.
Um admirador