130.º Aniversário do Baptismo do Padre Américo
Nesta celebração, queremos assinalar de modo festivo a passagem dos 130 anos do Baptismo do Padre Américo Monteiro de Aguiar, na Igreja desta paróquia de Galegos. Celebramos aquele momento em que tudo nasce, o acontecimento fontal da vida cristã de que tudo brota - o Baptismo. Nessa fonte de água viva em que recebeu o fogo do Espírito Santo, começou para o Padre Américo o caminho de um verdadeiro homem de fé, de um cristão ímpar. Foi nesse mergulho inicial na água regeneradora do Baptismo que teve início a sua principal vocação - ser verdadeiro filho de Deus, ser santo, como Deus é Santo.
Na vida do Padre Américo tudo remete e tudo se compreende à luz deste impulso inicial, tudo acontece como realização, expressão e desenvolvimento desta identidade fundamental — ser cristão, ser baptizado. Foi a essa condição que ele procurou ser sempre fiel.
Aqui reunidos para celebrar esta feliz data, tomemos consciência que também, hoje, a renovação da vida cristã, seja em termos pessoais, seja em termos comunitários, terá sempre como suporte e ponto de partida a redescoberta do baptismo, isto é, a consciência do que já somos. Nesse sacramento, estabeleceu-se aquele laço fundamental que nos une a Deus e que nos une aos irmãos. Aí radica também a nossa vocação fundamental — sermos cristãos, chamados à santidade. Todas as outras vocações são expressões diversas desta vocação básica; todos os percursos de vida de homens e mulheres santos são a resposta pessoal nas diversas circunstâncias históricas a este desígnio pessoal de Deus para cada um de nós.
O belo e conhecido percurso de vida do Padre Américo, desde os lugares por onde passou até à sua entrada no Seminário de Coimbra, e depois o modo como viveu a vida sacerdotal atesta que se tratava de um cristão inquieto, de um baptizado que buscava ansiosamente o modo de melhor servir a Deus. De facto, como poucos, ele aprendeu uma das lições mais difíceis do Evangelho: "Aquele que for maior entre vós será vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado". Esse ensinamento que Jesus nos deixou e praticou é dos mais decisivos para quem quer verdadeiramente ser Seu discípulo.
Na liturgia de hoje escutámos testemunhos bíblicos que mostram que tantas vezes não foi esse o caminho de tantos crentes. Na primeira leitura Deus, através do profeta Malaquias, censura os sacerdotes que não cumpriram a sua missão (o seu serviço) de conduzir os homens para Deus. Mais tarde, no tempo de Jesus, também os escribas e fariseus são admoestados por invocarem a palavra de Deus mas não a praticarem; por fazer da religião um fardo pesado (sobretudo para os outros) e de preferirem privilégios e mordomias. Rostos e expressões de uma religião que esqueceu o essencial: o amor a Deus e ao próximo; a glória de Deus e o serviço aos irmãos. Mas escutámos também o exemplo admirável de Paulo, que diante da comunidade de Tessalónica se reconhece pequeno (apesar do seu prestígio) e se compara à mãe que tudo faz (com trabalhos e canseiras) em verdadeiro espírito de serviço para que nada falte à família que criou e que ama.
O Padre Américo ungido no baptismo para uma missão, não se cansou de ser um trabalhador da vinha do Senhor, um servo simples e pequeno que tudo fazia para que não faltasse o essencial aos que nada tinham. Por isso, hoje o exaltamos diante de Deus, precisamente porque nos legou um testemunho eloquente do que é a verdadeira humildade. No Evangelho, Jesus recomenda ainda um especial cuidado com duas grandes palavras - Mestre e Pai. De facto, Jesus é para o cristão o Mestre de quem nos reconhecemos discípulos e Deus é o Pai por excelência porque é o verdadeiro Senhor da Vida, que no baptismo nos adopta como filhos. Tendo como grande modelo a pessoa de Jesus Cristo, o Padre Américo foi à sua maneira um Mestre, não só pelos escritos que nos deixou, cheios de sabedoria, mas sobretudo porque a sua vida é um evangelho vivo, palavra de Deus vivida no meio dos dramas humanos. À sua maneira foi também Pai - aliás, assim carinhosamente chamado - Pai espiritual que soube trazer para a família de Deus os irmãos mais pequenos e mais pobres.
Além de Pai e Mestre, o Padre Américo constitui um verdadeiro profeta para o nosso tempo. Como os profetas bíblicos, também ele obrigou a olhar a realidade dos dramas humanos com os olhos da fé; também ele contribuiu para o desinstalar de rotinas, comodismos e indiferenças. Com sentido profético ajudou-nos a olhar o pobre, o doente, a criança abandonada, com os olhos de Deus e a amá-los com o amor e a misericórdia que aprendemos de Deus. A sua figura de verdadeiro baptizado e homem de Deus continuará a ser inspiradora para um Cristianismo que se distinga mais pelo fazer do que pelo dizer; que quer ser escola de humanidade e fraternidade, num serviço incansável pelo bem e libertação de todo o ser humano.
Neste tempo em que se continuam a privilegiar as aparências, os lugares de destaque, os títulos, a exaltar os méritos efémeros, o Padre Américo emerge como um verdadeiro modelo de vida para os baptizados. Que a sua vida com a marca da santidade continue a servir de exemplo para quem movido pelo amor de Deus quer descobrir e viver a alegria do Evangelho.
Igreja Paroquial do Salvador de Galegos (Penafiel), 4 de Novembro de 2017.
D. António Augusto Azevedo, Bispo Auxiliar do Porto