VINDE VER!
Ainda somos a porta aberta
Para aqueles que queiram entrar e sair. Com o aparecimento da pandemia passamos a fechar a porta e a ficar em Casa como mandam as regras do Ministério da Saúde.
As ruas da cidade ainda não se encontram desertas, como era de esperar, para evitar a propagação da doença - quando por ali passava para comprar arroz e farinha de milho, que já se esgotou na maior parte dos armazéns e em outros se encontra muito cara -, assisti a vários episódios de violência. Vi as pessoas aflitas em busca de um pão para matar a fome dos seus filhos, vi também a polícia exibindo a sua autoridade sobre quem não aceita morrer de fome em casa para cumprir as regras que proíbem a circulação de pessoas. Vi, ainda, os soldados armados, muito armados, com a força desproporcional para manter a ordem em tempo de emergente luta pela sobrevivência. Pelo menos um pão para poder ficar em casa em paz com o estômago. A história é muito antiga e muito recente, sempre em reposição - Golias e David.
A nossa comunidade está a seguir à risca as indicações para evitar o contágio - prevenindo-se para prevenir a família. Retomamos, com maior seriedade, os hábitos saudáveis no que diz respeito à higiene pessoal.
Nesta fase em que é obrigatório ficar cada um na sua casa, reconhecemos que foi mesmo providencial a construção do nosso muro, que nos está a ajudar a manter o portão da entrada fechado e só é aberto para alguma situação pontual e de extrema necessidade para a comunidade, evitando qualquer invasão e dispersão dos rapazes fora de Casa.
Na nossa vida em família às vezes traçamos projectos com uma visão ampla de futuro, que só chegamos a compreender melhor a sua essência anos mais tarde. E assim na família de Abraão quando o menino perguntou ao pai onde está o cordeiro para ser imolado e oferecido a Deus, a resposta foi pronta - Deus providenciará. Grande é Deus que continua hoje a providenciar.
Com os rapazes em Casa a tempo inteiro tivemos que organizar as actividades da nossa vida respeitando os limites impostos pelas autoridades no que diz respeito, sobretudo, à grande concentração do pessoal. Não está a ser fácil viver em dias assim, com as limitações a que estamos submetidos. Nesta fase a oração é que nos está a dar grande força para continuarmos nesta luta protegendo todos por amor. À hora do Terço, vai toda a comunidade para o refeitório onde as mesas se encontram afastadas umas das outras. Foram acrescentadas mais mesas e alguns rapazes rezam e de seguida tomam a refeição nas varandas laterais anexas ao refeitório. As habituais mesas de oito rapazes, estão agora apenas com quatro, um em cada extremo.
Temos aproveitado estes dias do estado de emergência para estar mais intensamente em família. Estendendo mais o diálogo e a confiança uns pelos outros. Os chefes estão bem dispostos todos os dias orientando os rapazes nas mais variadas actividades, sobretudo aquelas ligadas à produção no campo. Já foram plantados, pela mão dos rapazes, mais de oitenta coqueiros, palmeiras de dendém e outras árvores de fruto na zona beneficiada pela cobertura do nosso muro.
Milho, feijão, batata doce e mandioca estão prestes a ser lançados no espaço que esteve coberto de lixo, que os vizinhos faziam no nosso terreno.
As hortícolas aguardam o tempo do cacimbo (frio). Para a rega, foi aberto mais um furo nesta mesma zona e ainda aguarda por uma moto-bomba, que não temos, para tirar a água.
Nesta primeira fase vamos depender dos motores da zona urbana da casa. Aguardamos, com esperança, alguma generosidade nesta parte do campo. A conclusão é de Pai Américo: «os trabalhos da avenida marcham a todo pano. Agora que são férias os nossos rapazes ajudam com muito proveito para as obras e muita alegria para eles. A Obra da Rua é deles. Os mais pequeninos apanham vides da poda que conduzem em pequeninos feixes para o nosso lenhar. Eles gostam infinitamente de colocar à porta o produto do seu trabalho e chamar p'ra que a gente vá ver: - olhe o que eu trouxe!»
Padre Quim