VINDE VER!

Filhos bem amados do Pai

A nossa família cresceu, ainda na véspera do Carnaval, com a vinda de mais cinco novos rapazes. O primeiro a chegar, foi o «Afonso»; a seguir, um grupo de mais quatro pequeninos que cresceram no Berçário do abrigo das Irmãs do Santíssimo Salvador. A razão da sua vinda deveu-se ao facto do Lar citado estar apenas vocacionado para o acolhimento de meninas. E cheios de confiança ao completarem seis anos vieram bater à porta da nossa Casa do Gaiato que tem sido ao longo de quase seis décadas, por estas paragens, a Mãe de braços abertos amparando os filhos que não têm família. Estes cinco, agora filhos da Obra da Rua, vêm sedentos de tudo: amor, pão, paz e tudo quanto a criança por si só tem direito. A hora das boas vindas estava reservada para o momento a seguir à oração do Terço. Seguindo o apelo da Virgem Santíssima em Fátima "família que reza unida permanece unida". A comunidade foi orientada para dar um bom exemplo aos mais novos, como meio de fácil adaptação, seu passado descrito no terreno mais íntimo do seu ser, na zona mais sensível da sua pessoa, clama por um presente melhor, sobretudo de reconstituição dos sonhos de menino que a dureza dos seus primeiros dias de vida roubou da criança. É esta a mais alta necessidade da criança acolhida a ser tida em conta no processo de educação da vontade e da responsabilidade cravada de liberdade lá onde só ela entra e apenas permite entrar quem ela quiser - o coração. Sim, o 'coração cheio de razões que a própria razão desconhece'.

Todos os dias o portão da a nossa Aldeia testemunha a entrada de pessoas que vêm apresentar o desejo de serem acolhidas, muitas vezes são os intermediários que aparecem a pedir, outras ocasiões aparecem mesmo os próprios. E se pudéssemos ter capacidade acolheríamos mais e mais crianças em estado de grande necessidade, a verdade é que muitas vezes já não temos mais lugar. Alguém disse-me que a Aldeia era grande e que deveríamos acolher o seu parente. Pois, sim, a aldeia é grande mas as instalações que tem nem todas são espaço-dormitório. Nas oficinas? Na Escola? Na vacaria? No campo? Aonde? Nós vamos sim acolher o rapaz, quando estiverem criadas as condições que conferem dignidade. Uma cama onde dormir, um lugar à mesa e tantos outros serviços próprios de assistência e educação. Os nossos rapazes que andam na carpintaria entraram esta semana com mais motivação para as obras de restauração da nossa casa dois de baixo que por falta de material para a sua manutenção tem estado lenta a sua reabilitação. «O Manuel - Anjo da Paz» foi às compras e já arranjou os contraplacados para compor os armários de parede e as portas interiores. Os rapazes da pintura estão bem adiantados, já só falta a zona do rodapé das paredes interiores. Quando as obras terminarem, a nossa Mãe, que é a Casa do Gaiato, voltará a acolher mais rapazes, pelo menos duas dezenas deles é o que a Casa tem de capacidade. Poderá um ou outro dos nossos leitores se admirar desta ousadia, termos sempre as portas abertas para acolher os mais necessitados. E se assim for não deixarão de estar na sua máxima razão porque vivemos num País em crise em todos os sentidos da vida social. O pão nesta terra é muito caro. E quando assim acontece viver nestas condições só pode ser mesmo uma autêntica ousadia nos dias de hoje em Angola. Os preços sobem a cada dia que passa e o Povo não tem poder de compra. Enquanto o Povo de pé descalço luta pela sobrevivência, os grandes desta terra andam à caça de outros seus companheiros das mesmas andanças do passado para os colocar na prisão, pelo bolo que comeram juntos nos anos de mergulho numa ganância desmedida dos bens do Povo. Mas enquanto houver esperança e homens de boa vontade havemos de acolher os nossos companheiros pobres como nós. E como se diz por cá; «onde come um, comem dois». O nosso Pai Américo, cuja vida comprovou isso mesmo, preocupou-se desde o início da sua carreira, em garantir melhores condições de vida aos mais desfavorecidos, num acto de solidariedade humana exemplar e modelar. A Divina Providência nunca abandona as Obras sociais e humanas por transparecerem em si mesmas a marca do Divino Bom Pastor que se enche de compaixão diante dos Pobres.

Padre Quim