VINDE VER!
A minha família
No decorrer da hora da reza do Terço, fez-se silêncio na sala habitual deste acto comunitário de devoção à Virgem Santíssima, Mãe de Deus e Mãe nossa. Silêncio porque um estranho teve acesso ao nosso santuário doméstico, no dizer de Papa São João Paulo II: "A família é o santuário doméstico". Era a hora sublime de comunhão com o nosso Bom Deus pelas maravilhas que realizou em favor de todos os homens por intermédio da Virgem Maria. No final da oração fomos a saber, era um rapaz que tinha sido da nossa Casa. Hoje um homem, mas sem qualquer documentação pessoal. Aproximei-me dele para colher informações sobre a sua presença em Casa àquela hora da noite. Disse-me que era proveniente de Luanda e que estava em Benguela para tratar da documentação. Naquele mesmo momento declarou que não tinha para onde ir enquanto durar o tempo de arranjar o Bilhete de Identidade. Em Casa não temos lugar. Disse-lhe sem mais demora. Respondeu-me o homem: - Não tenho onde me hospedar, o Gaiato é a minha única família! Esta expressão foi forte, e se para mim era um estranho, pois não o conhecia, passou a ser conhecido como um membro da família que se identifica com o nome de Gaiato. Nesse mesmo momento arranjou-se uma cama na enfermaria, tomou a sopa quente com a gente e no dia seguinte começou logo a tratar da sua documentação, contando com a nossa ajuda para poder voltar à sua vida normal enquadrado na esfera social em busca do autogoverno e autonomia.
Do Abrigo dos Pequeninos, acolhemos dois irmãos, o António e o Ângelo. Fazem parte da história de 5 irmãos que vieram do Lubango para Benguela com a Mãe muito doente e que depois não resistiu e morreu. O pai também é falecido. O António anda na sexta-classe e o Ângelo na segunda-classe. Vamos ajudá-los a serem homens! Foi o apelo que a comunidade recebeu no dia em que chegaram a nossa Casa. Os rapazes vieram buscá-los ao carro, ainda mal estacionado em frente da casa-Mãe. Antes de serem conhecidos já eram da nossa família, pois as razões para vir ter à Casa do Gaiato são as mesmas dos outros filhos que já se encontram connosco, há vários anos. Foi o amor e continua a ser o amor a força e o instrumento primordial do nosso trabalho para com estes filhos que andavam dispersos pela triste desventura de terem perdido os seus pais.
Conseguimos no mês de Maio arranjar trabalho para dois rapazes que tinham passado pela nossa Casa. Os responsáveis estão contentes com os dois e isto é condição para no futuro receberem mais algum dos nossos. O rapaz tem a responsabilidade, dentro e fora de Casa, de guardar incólume o bom nome que ostenta. Para honrar tendo em vista a posteridade da família que o ajudou a ser gente digna. Queremos ajudar as pessoas, com particular atenção os pobres, as crianças e os jovens, e a multidão de pessoas idosas que vem pedir à nossa porta, mas só a boa vontade e a dedicação à causa dos outros não basta, pois são necessários recursos humanos e financeiros, sem os quais o nosso trabalho não se torna completo. É necessário juntarmos forças e caminharmos de mãos dadas em benefício do irmão em situação de carência extrema. Em nossa Casa, neste momento, temos de comprar tudo o que necessitamos para a assistência e educação dos rapazes. A prestação dos serviços necessários, dados pelos trabalhadores, é remunerado no fim de cada mês. A pequena produção do nosso campo não chega para pagar às pessoas que nele trabalham. É das ajudas que vivemos e ajudamos a viver os 70 trabalhadores que temos, por caridade. Confiamos na Divina Providência e na generosidade do coração de todos os que sentem a indigência dos outros irmãos. A conclusão é de Pai Américo: "Ajudar é a palavra mais sublime do vocabulário cristão".
Padre Quim