Vinde Ver!
Aproveitamento
Muitas vezes, e de vários modos, o verbo "aproveitar" é utilizado no sentido menos bom da palavra. E facilmente o caro leitor poderá surpreender-se com o título desta crónica e quererá ler até ao fim, para encontrar o sujeito que conjuga o verbo, aproveitar neste caso. E, se calhar, com uma visão de leitura e interpretação de juiz, sentado no tribunal à espera do acusado para se fazer ao banco do réu. Não é neste sentido que pretendemos partilhar a nossa comunicação. É, sim, no sentido em que o próprio rapaz é o sujeito desta acção. É ele que aproveita, ou não, o quanto lhe é colocado nas mãos pela Casa do Gaiato. Qual tesouro de garantia apontado para a sua autonomia, quando chegar a hora certa e derradeira, para o inevitável autogoverno do rapaz! Se ele soubesse espremer a laranja que a vida lhe está a oferecer, faria dela uma laranjada! Escola à disposição, mesmo nos seus olhos a chamar pelo recruta. Oh! Academia da vida! Oficinas ao seu dispor, para se preparar com maiores argumentos para enfrentar as demandas de uma sociedade cada vez mais complicada no enquadramento social condigno. A educação religiosa, na sua pujança, Santa Missa, oração diária do Terço, Sacramentos, confessor à espera da hora do arrependimento. "Se em Sodoma tivessem visto os milagres que foram feitos dentro dos teus muros, subsistiria até hoje". (Evangelho - Mt 11, 20-24). A Palavra de Deus é luz, verdade e guia.
Na Obra da Rua - como em outras instituições de apoio social -, assistência e educação constituem dois focos importantes por onde se concentram os esforços e se desprendem energias para a concretização do objectivo central, ou seja, a razão pela qual nasceu e está vocacionada a Instituição. Os serviços e benefícios oferecidos, configuram-se como oportunidades para os membros constituintes da comunidade. Bens e serviços que lhes eram negados pela rua ou por outros contextos desfavorecidos. A generosidade de tantos benfeitores é grande. Por isso, as obras sociais se mantêm de pé. De longe e de perto, conhecidos e não conhecidos fisicamente, poupando o que é seu por direito, abrem a mão a outra mão estendida, para dar àquele que não tem quem peça por ele. E como gesto de maior expressão de agradecimento, é o aproveitamento que se tirar destes recursos que chegam a nossa Casa. E quando vejo o chefe em grande aflição com uma lista daqueles que faltaram aos seus deveres de estudar ou de trabalhar, o meu pensamento conduz-me a dobrar os joelhos diante do Sacrário e pedir perdão pelas graças oferecidas e não aproveitadas. Outros tantos são um regalo ao fim do dia, apresentam pessoalmente seus frutos, colhidos depois do trabalho, muitas vezes, regados pelo suor do rosto... «Olha o que eu tirei na escola!» «Olha o que o mestre me ensinou!» «As minhas contas!» «Os meus desenhos!» O rapaz, quando aproveita e trabalha, é feliz, alegre e apaixonado pelo seu dever. Sonha e deseja alcançar seus ideais de realização. O trabalhador apresenta-se e mostra o que colheu no seu caminhar. O preguiçoso anda escondido, não tem nada para apresentar, triste e sozinho caminha. Não quer ser visto. O chefe pergunta pelo faltoso e ninguém sabe dele. E outra vez fazemos recurso ao Evangelho - vamos em busca da ovelha perdida. E quantas vezes ela não é rebelde ao convite para voltar a Casa, ao lugar que deixou em falta, por não querer fazer-se um homem?!... Aqui é que está o nó. A conclusão é de Pai Américo: Mas, a par disso, temos igualmente lampejos do Céu.
Padre Quim