
SETÚBAL
"O poder de cada um em se determinar por si mesmo na escolha do bem ou do mal, [eis] a verdadeira liberdade";
"Antes quero a derrota da confiança que a vitória da vigilância"
Padre Américo
Duas expressões que me ressaltaram ao pensamento quando relia alguns textos na obra, Ecos dos pensamentos do Padre Américo. Neste tempo com os rapazes, tenho-me questionado em absoluto sobre a forma como devemos, no presente, tal como o nosso fundador, orientar a pedagogia da Obra, que, com as devidas actualizações e contextualizações, deve marcar a dinâmica educativa, centrada claramente na "pedagogia do encontro" (cf. Ernesto Carlos Candeias, O Projecto Educativo do Padre Américo, cap. 3, p. 176 e seguintes). Esta resultará num caminho de autoconfiança de cada um dos rapazes, que no fim da caminhada conduzirá a uma verdadeira autodeterminação e ao exercício da liberdade, de forma a capacitar cada gaiato para uma verdadeira inserção futura na comunidade.
Exemplo elucidativo desta forma de actuação na vida dos rapazes aconteceu nesta manhã de quarta-feira. Tal como em outras ocasiões, hoje houve o "mata-porco", e alguns dos mais velhos são "convidados" a prestar uma "ajudinha" nos trabalhos necessários para preparar o animal, de forma a mais tarde se poder saborear, nas refeições comunitárias, a feijoada, a favada, as febras deliciosas, etc...
Aconteceu, num dos acessos exteriores da casa, no designado "corredor da vacaria", alguém deixar inusitadamente cair dos bolsos uma soma avultada em notas de vinte euros. Um dos rapazes passou pelo local pouco tempo depois, viu e apanhou...
Nos minutos seguintes, apareceu na cozinha da casa com as notas na mão. Diz onde encontrou o dinheiro, vinha-o entregar.
Por acaso, nesse momento também aí se encontrava o "dono" que, muito contente, agradeceu do coração e, surpreendido, manifestou uma enorme alegria por tal gesto dignificante do gaiato. É ou não digna de publicação tal ocorrência? Que gesto maravilhoso e tão edificante...não há palavras...cada um retire as ilações deste acontecimento...
Também neste dia, poucas horas depois, apareceu cá em casa um casal de meia-idade. Perguntou pelo responsável da casa e disse: "Estamos aqui pela primeira vez. Queríamos conhecer o que é a Casa do Gaito e em que poderíamos ajudar...". A maior parte da vida desta família, que é constituída por mais três filhos, foi passada em Angola, pois a esposa é angolana e ele tem dupla nacionalidade. Trata-se de alguém que, recém-convertido à fé e à Igreja Católica e encontrando-se num processo de inserção eclesial, perguntou, na comunidade cristã, onde haveria uma instituição que acolhesse crianças e jovens. Foi-lhes indicada a Casa do Gaiato. Eles assim fizeram e vieram até nós. Nada sabiam da nossa Obra, nem da presença por terras africanas. Quiseram saber a origem das Casas do Gaiato e ficaram muito edificados pelo percurso de vida do nosso Pai Américo. Descobrindo a missão da Obra e como subsistia (sem qualquer subvenção estatal) ainda mais se admiraram, dizendo que estariam disponíveis para colaborar no que fosse mais necessário para os "miúdos". E pediram se poderiam vir mais vezes e tomar mais contacto com esta nossa forma de viver em ambiente familiar. Depois de uma breve visita, que culminou na capela, logo perguntaram se podiam vir à missa no Domingo e rezar com a comunidade dos gaiatos.
O significado deste "encontro", julgo eu, é que o nosso "modus vivendi" continua a interpelar, ainda hoje, as pessoas que vão tendo contacto com a vida experienciada entre nós. E que continua bem viva a vocação de Padre Américo e a marcar indubitavelmente todos os que connosco se cruzam, se deixam tocar e encontram...
Padre Fernando