SETÚBAL

Favas

É tempo delas. Criou-se aqui em casa a ideia de que os rapazes não deveriam apanhar as favas. Só gente madura.

- Pisavam-nas todas, colhiam as que ainda não estavam maduras, pisavam as faveiras, davam cabo de tudo.

- Eu vou para lá com eles. Desafiei!

Este ano não semeámos muitas, pois as guardadas para a semente estragaram-se sem darmos por isso. Tivemos de comprar outras e foram muito caras. Também escolhemos a melhor semente - a algarvia.

Durante o mês de Março ainda veio um tempo quente, elas passaram sede e murcharam, mas com duas ou três regas ultrapassou-se a dificuldade, elas cresceram encheram-se de flor e carregaram-se de vagens.

A fava algarvia não dá tanto fruto como a cornija, mas os seus grãos são maiores, mais macios e mais doces.

Organizei o grupo e quando lá cheguei os rapazes já tinham começado.

Cada um com o seu balde o qual, após cheio, passava de mão em mão até ser despejado nas caixas grandes, colocadas à beira e ao longo do faval de forma que ninguém atravessasse as carreiras.

Numa tarde colhemos trinta e tal caixas delas e, na manhã seguinte, debulhámo-las.

A natureza dá-nos sempre boas lições. Os rapazes reparam cada grão na sua vagem embrulhado numa espécie de algodão finíssimo para proteger cada um deles, qual bebé recém-nascido envolto em requintadas e macias roupas. Os rapazes não se alheiam às realidades naturais, fazem as suas perguntas e expressam a sua admiração em exclamações brilhantes: que bonito! Olhem para isto e mostram o interior da vagem. Como é bela a natureza!

Ainda temos favas congeladas do ano passado.

Normalmente nos tempos frios há uma favada por semana ao almoço e quando isto acontece, os rapazes que estão nas aulas, também as comem ao jantar.

A fava é um nutriente abundante em ferro e substancioso.

Desastre

Não sabemos como o Santiago se espetou com a nossa camioneta contra uma palmeira ao chegar a Casa com a carga do Auchan. Aleijou-se pouco, mas a cabine ficou sem conserto e a caixa da direcção toda partida.

Desde que tirou carta, há anos, nunca havia provocado qualquer acidente. Como aconteceu? Não sabemos. O rapaz tomou culpa a uns papéis que trazia na frente junto ao volante, que os tentava apanhar para eles não voarem, etc., etc..

Seria para nós uma tragédia se não viessem em nosso auxílio os gaiatos já casados e batidos na vida, os quais fazem de nós o que somos: a sua família.

Sim. Foi o Paizinho que nos descobriu uma cabine em segunda mão e uma caixa de direcção no mesmo estado. Comprou, mandou vir e pagou. Nós depois fizemos contas com ele.

Quem fez o resto? Montar? Fazer exame peça por peça? Prover? Outro gaiato ainda mais amadurecido. Em mecânica ninguém
o bate!

De há muito tempo, os rapazes com capacidade tiram carta de condução e fazem, depois, os seus treinos com os nossos carros.

Desta forma, de vez em quando, lá aparece, sem nós contarmos, um acidente, mas isso não me esmorece. São ocasiões para testar cada um dos rapazes.

Para o trabalho a lei obriga o décimo-segundo ano e com uma carta de condução na carteira é mais fácil arranjá-lo.

A Casa do Gaiato é uma escola de vida e por isso estamos sujeitos a esses imprevistos.

Padre Acílio