SETÚBAL

Os nossos pequeninos

Escrevo no dia 1 de Abril. Ao longo dos anos, neste dia, os rapazes têm-me pregado mentiras para se divertirem comigo.

Uma vez ela foi tão bem feita e tão bem dita, que eu fui ao telefone e não era ninguém. Nesse momento, eu estava absorto com trabalho mas fui a correr agarrar o auscultador: — Está lá?... Está?... Está lá?... — Nisto ouço uma gargalhada cá fora. Eram eles! Aborreci-me... ainda foi pior. Ainda riram mais.

Hoje os mais pequeninos, ao regressar da escola, foram dizer à Senhora que era o dia das mentiras. Em Casa não se falou disso, mas... a escola é escola.

Combinaram os cinco virem enganar-me. Eu estava no escritório a escrever para O Gaiato.

Percebi e quis dar-lhes o prazer das suas inocentes mentiras, fingindo acreditar nelas. Cada um dizia a sua e, como eu acreditasse, atiravam-se para cima dos sofás dando cabriolas com gritos de gozo e alegria.

Cada um armava a sua e à medida que elas iam surgindo, explodia uma enorme festa.

No meio desta alegria distraí-me com eles e Cathana vem dizer-me que eu tenho uma mosca na cabeça. Desta vez acreditei mesmo e fiz com a mão o gesto de afastar um insecto. Foi um delírio: sofás, chão, saltos, gritos, gestos de mofa para mim um nunca mas acabar de alegria.

Que grande gozo ver as crianças tão felizes a gozar comigo.

A Inocência é encantadora, delícia que não brota da maioria dos adultos, os quais, tantas vezes, mentem fingindo dizer a verdade.

Hoje é o dia das mentiras, mas eu já me habituei a ouvi-las diariamente o ano inteiro, sobretudo no meio social e político. Dá-me a impressão que a cartilha de Maquiavel é decorada e seguida por quase toda a classe política, não só no meio de nós, mas no mundo inteiro. Pretendem sempre mostrar o que não fazem, para esconder o que deveriam fazer. Isto é enganar o cidadão desprevenido, criando no subconsciente do atento uma contínua reserva: - Será astúcia, manha ou mesmo verdade?... Normalmente aparecem as meias verdades, que são piores que uma mentira.

***

Era um domingo à tarde eu passava do escritório de cima, no primeiro andar, através do corredor traseiro que dá vista à nossa encantadora quinta.

Vejo os cinco mais pequenos muito divertidos correndo uns atrás dos outros para um lado e para o outro. Pareceu-me que jogavam uns com os outros qualquer divertimento. Não ouvi os seus gritos de alegria mas surpreendiam-me os movimentos, os saltos e os gestos dos braços.

A tarde estava amena e a quinta cobria-se de flores, os laranjais sarapintavam a sua copa verde com flores e frutos e na alegria deles pareceu-me vê-los gozar o maior prazer possível de crianças.

Cada vez mais atento, da janela do corredor pareceu-me ver um cachorrinho que atraía os pequenos. Vim a saber depois que o Bita pusera os dois cãezitos na manilha de cinquenta centímetros de diâmetro que atravessa a avenida a um metro de fundura, onde lhes fez um ninho. Os cachorrinhos entravam por um lado e saiam pelo outro, correndo os pequenos atrás deles, para os apanhar, gozando de uma alegria indescritível.

Só depois de uma informação mais detalhada percebi qual era a fonte daquela jubilosa algazarra.

As crianças perdem-se pela Natureza.

Padre Acílio