SETÚBAL
Natureza
A natureza é a melhor técnica. Os seus prodígios são abundantes.
Era o final e um dia feliz e eu regressava a Casa, entrando pelo caminho que leva à vacaria. Nisto vejo três miúdos dos mais pequenos de costas voltadas para mim, cabeça baixa em semicírculo, como quem acarinha, à volta não sabia eu de quê. Parei o carro, desci e aproximei-me:
— Então?... Que fazem vocês?
— Apanhamos uma pombinha e temo-la aqui nesta gaiola!
Não sei onde foram achar a gaiola mas também me deixei prender pela felicidade dos pequeninos.
Dado ao meu encanto, não pela ave que devia estar doente, mas pelo delírio deles, perguntei-lhes como tinham apanhado a pomba.
— Estava ali quietinha, agarramo-la e metemo-la na gaiola.
— Olhem que a pombinha deve estar doente!
— Não não, não está, dói-se somente de uma asa.
Deixei-os no seu gozo e fui à minha vida, saciado com a alegria dos pequenos. O meu pensamento fixou-se na atracção que a natureza viva exerce sobre as crianças!
Pôr pequenos destes em requintadas vivendas no meio das cidades, como hoje se usa, é um erro contra-natura o qual ficará caro ao Estado e, mais ainda, às próprias crianças.
Não basta a técnica é necessário amor e o ambiente!
À noite apercebi-me de um corrupio para a despensa e fui saber. Ora, que havia de ser? Atrás da porta, uma gaiola com duas pombas. Os pequenos não contiveram o seu deslumbramento. Espalharam-no pela comunidade que se encaminhava quase toda, sedenta de ver o prodígio: Duas pombinhas aninhadas uma junta da outra, tristes na sua prisão, posse dos pequenos transmitindo-lhes uma alegria enorme!
Em Casa, recolhidas nos travessões do telhado da vacaria, temos mais de duzentas pombas que não se deixam apanhar pelos rapazes, se alimentam do penso das vacas e são bandos e bandos.
Mas... assim ao pé, podendo agarrá-las e dar-lhes carinho e comer... era algo de novo!
Quando, na manhã seguinte, cheguei à sala de jantar para o pequeno-almoço, senti um silêncio triste e, ao sentar-me à mesa, perguntei aos meus comensais, que são eles mesmos os mais pequenos, o porquê deste silêncio: — É que as pombinhas morreram esta noite.
Padre Acílio