SETÚBAL

Epifânio

É um rapaz muito interessante e afectivo de que já vos falei. 

Durante longos anos como se recordam, sofreu, por ser pobre, de uma enorme surdez.

Veio há três anos para a nossa Casa, não sabia ler, nem quase falar.

O palco é um lugar privilegiado para pôr as pessoas a dizer as palavras de maneira que se tornem audíveis.

As crianças com falta de ouvido, também falam de forma imperfeita.

O Epifânio hoje tem um aparelho auditivo e com muitos apoios na escola e grande força de vontade, tem progredido rapidamente em todos os sentidos.

Para a festa do Natal, dei-lhe um pequeno trecho para ser proclamado, em conjunto com mais quatro sobre a história do presépio.

Chamei os cinco rapazes que entendi terem mais dificuldades; li-lhe a narrativa completa, expliquei-lhes algumas palavras que eles não entendiam e dividi, conforme a referência do autor, em cinco partes, uma para cada um, tirando cópias na fotocopiadora e mandando-os copiar cada um a sua parte.

Dois dias depois o nosso rapaz veio dizer-me ao ouvido, com muita timidez, como quem se confessa: - Sr. fulano eu não sou capaz!

— Não és capaz?!... Isso não se diz. Tu és tão capaz como os outros!... E bem capaz!... Até mais que fulano e sicrano!... Ora experimenta.

Os ensaios foram correndo, primeiro a ler, depois a ouvir e, por fim de cor. Quando ele disse a primeira vez de cor... Claro! Eu bati com as mãos abertas na mesa e fiz espectáculo...— Então! És capaz ou não és capaz! —, repeti várias vezes os gestos e as palavras espectacularmente fixando os olhos nele e nos outros.

Epifânio explodiu de alegria e foi, algumas horas depois, à cozinha a dizer às Senhoras alto a sua parte!

— Vêem que sou capaz! — Até as Senhoras choraram de alegria com a descoberta do Epifânio.

Vicentinos

Quando falo destes cristãos acho sempre que me devo pôr em sentido! É que eles, há muitos anos, fazem o que nos recomenda o Papa Francisco: «Não basta dar esmola, é preciso tocar o Pobre. Ir a casa dele, chamá-lo para a sua mesa, dar-lhe o calor da sua família».

Os vicentinos são sempre profetas. Quem vai no seu encalço, primeiro, converte-se a si próprio, depois, torna-se apóstolo e vidente: Vê O Senhor onde poucos O enxergam.

Vieram à nossa Casa, como os Reis Magos à casa de Maria e José. Trouxeram presentes: bolos de toda forma e sabor, muita mercearia e, sobretudo, abundante carinho.

O seu fito não era a Assembleia Vicentina, que em nossa Casa tem uma história de mais de meio século, era, sim, conviver com os rapazes, encher-lhes a mesa e partilhar a amizade.

Como não percebi bem a forma de realizar o convívio, pedi aos rapazes que lhes repetíssemos a nossa festa de Natal.

Foi uma surpresa para eles, e a sua presença no meio de nós, óptima oportunidade oferecida aos rapazes, para provarem a si próprios as suas capacidades.

Os vicentinos gostaram muito e o tempo foi pouco, pois desejavam celebrar comigo O Sagrado Ministério da Eucaristia, a noite caiu repentinamente sobre nós, ventosa, fria e muito escura, destruindo a disposição para mais convívio.

Comemos os bolos no nosso jantar e demos graças a Deus por tão doces e fiéis amigos, com pena não os termos ainda connosco.

Como na véspera da festa, um dos meninos, com desculpa de que ninguém o poderia obrigar, recusou fazer o seu papel — o que armou no fim de jantar uma terrível trovoada que a todos assustou e me consumiu o sono —, distribuí pelos artistas o ofertório da Missa dos Vicentinos, encarregando o chefe de o fazer.

Afinal o menino repensou, fez o seu dever e o chefe não o excluiu do seu quinhão.

Padre Acílio