
PELA CASA DO GAIATO DE SETÚBAL
Bodas do Vinho - 70 anos
No pretérito dia 9 de Outubro de 2025, a Casa do Gaiato de Setúbal perfez 70 anos de acolhimento de rapazes da Obra da Rua ou Obra do Padre Américo, como declara a acta de 5 de Outubro de 1955 da entrega da Casa à Obra, pelo anterior Albergue Distrital da Mendicidade de Setúbal: «o Albergue… cede, a título precário, à "Obra da Rua" a Quinta do Brejo do Perdigão, sua propriedade, sita em Algeruz, (prédios rústicos e urbanos), com todas as alfaias, animais, sementes, mobiliário e bem assim com tudo o mais que ali exista na data da cedência a qual terá lugar no dia nove de Outubro deste ano».
Neste aniversário, recordámos e fizemos memória dos padres já falecidos e que passaram pela Casa, recordando especialmente o primeiro e o último: P.e Flausino e P.e Acílio.
Tendo iniciado a Celebração com a Eucaristia, na qual, como intróito, se releu a acta fundacional.
A reflexão teve como mote o texto do Evangelho de São Lucas que dizia: "Pedi e dar-se-vos-á. Buscai e encontrareis. Batei e abrir-se-vos-á. Quem pede, recebe; quem procura, acha".
No Evangelho, Jesus ensina-nos esta grande lição sobre a oração e a confiança em Deus. Ele começa com uma pequena parábola, um amigo que pede pão ao outro, no meio da noite, para receber ajuda. Apesar do incómodo, o amigo acaba atendendo o pedido pela persistência e confiança daquele que bate.
À partida, este texto ajuda-nos a compreender a importância da perseverança na oração. Todos nós teremos alguma experiência de como é fácil desistir a qualquer dificuldade que nos aparece no nosso caminhar. Como cristãos, por vezes, desanimamos e desistimos, pois até dizemos: "Rezo, rezo, rezo, e nada acontece!".
Temos de ter consciência que o tempo, nesta dimensão religiosa, não é o meu/nosso tempo, é o tempo de Deus.
Por isso a oração não é apenas uma palavra, mas uma atitude de confiança persistente. Que o Senhor nos ajude, e que o Espírito Santo nos inspire a perseverar na oração, na confiança e na intimidade com nosso Senhor. Que nós possamos ter um coração simples e humilde para bater e para procurar, e encontraremos.
O momento que nos encontramos a celebrar, é também sinal inequívoco desta perseverança, nos encontros e desencontros de uma história de vida com 70 anos, incluídos numa caminhada ainda mais longa desde os anos 40 do século passado, quando o Padre da "sopa dos Pobres" da Diocese de Coimbra decide perseverar e entregar-se com toda a sua vida, ainda que na fragilidade da doença, a este empreendimento de acolher as crianças e famílias das ditas periferias humanas desse tempo. Nos tugúrios sociais e humanos, o Padre Américo de Aguiar lança este projecto inovador no acolhimento e educação das camadas mais juvenis dessa sociedade. Sociedade que, tendo já instituições actuantes nesses meios, apenas os pensava como lugares de "correcção" moral em que os próprios jovens seriam meras marionetes do sistema. Não eram, assim, lugares de liberdade e de possibilidade de refazer projectos de vida. De tal forma isso era controlado, que Padre Américo chegou ao ponto de contar: "Aqui há tempos, pedi licença ao porteiro e entrei em um determinado asilo de uma cidade. Começo a ver… enquanto não souberam quem eu era, tudo ia bem, mas apenas se descobriu, não me permitiram mais um passo. O senhor Director, com as devidas desculpas, acompanhou-me até à Porta".
Apesar de se ter evoluído nesse âmbito, talvez por este caminho premonitório lançado por ele, hoje parece estarmos a regredir, mercê da legislação de protecção e controlo que limita a liberdade, a autonomia, a auto-realização e emancipação que estiveram sempre presentes no processo pedagógico da Obra da Rua ("O poder de cada um se determinar por si mesmo na escolha do bem ou do mal, eis a verdadeira liberdade…" P.e Américo).
A Casa do Gaiato de Setúbal celebra estes 70 anos, "Bodas do Vinho", título retirado da expressão que acompanha as celebrações das sete décadas de vida matrimonial. Faz-se esta referência em relação ao néctar extraído das uvas, do qual se diz, quanto mais velho, melhor!
E é isso mesmo que pretendemos, apesar das vicissitudes em que temos estado envolvidos, e pela diminuição de crianças e jovens que temos na actualidade, por motivo de restrições impostas pela "legalidade" de leis; leis muitas vezes construídas em gabinetes e não brotantes da vida e da experiência de quem tem realizado longo percurso de imensos e felizes sucessos, como testemunham os nossos gaiatos, uns aqui presentes, outros nos seus trabalhos e famílias, e ainda muitos outros já na companhia do Pai Américo!
Esperamos que esta "douta" idade, na transformação "imposta" seja um marco ao nível do que hoje nos é solicitado, a que possamos responder com a tenacidade de visão que foi característica do nosso fundador.
Tal como invoca o apelo do Evangelho, vamos ser perseverantes, não desanimar, perscrutar quais as necessidades sociais do nosso tempo, e, com mais ou menos rapazes, neste ou em outros espaços da Casa do Gaiato de Setúbal, pela acção do Espírito Divino e a intercessão do Pai Américo, corresponder aos desafios exigidos hodiernamente. Tudo isto porque sabemos qual a nossa origem, e quem nos acompanha, e continuamos com a sua convicção: «O êxito das obras sociais consiste no segredo divino de as tornar humanas… trabalho, brio, independência. Responsabilidade… O Rapaz, para o Rapaz e pelo Rapaz …»
Padre Fernando