
BEIRE - Flash's
"ELE", hoje falou para mim...
1. No refeitório, ao pknalmoço... Aproxima-se o bater das 07:30h da manhã. Já estão todos na mesa, de pé, prontos para arrancar para o novo dia que desponta. Chego e fico também de pé, como eles, em silêncio. A mesa está posta. Na frente de cada um, a sua tigela cheiinha de leite a fumegar. Trazido por eles. Das vacas cuidadas por eles. Num pratinho, ao lado, uma boa sandes de pão com doce e manteiga. - Hoje, não há fiambre? - pergunta o Varito. - Não, Varito, hoje não há fiambre. Nós só temos o que nos dão. Desta vez não veio fiambre. - Ah!, tá bem! Ninguém reclama. Tudo como bons 'portugueses de lei'. Disciplinados, à espera que o chefe comece a oração da manhã, a que se segue a oração da mesa, antes do sentar-se para dar ao dente... Olho a cena. Sinto-me banhado pelas bênçãos do silêncio deste novo dia que nasce. Deixo-me habitar por esta festa e entra a procissão: a pré-história de cada um destes rapazes e doentes que ainda podem vir à mesa; a sua meninice desgraçada e desagregadora; a vinda para uma Casa do Gaiato; daí para o Calvário. Vejo todo o trabalho de P.e Baptista e sua equipa. Numa dedicação de 'bons samaritanos', até chegar a esta disciplina de hábitos e rotinas que nos encantam. Dou graças. Deus louvado!
- Vamos lá rezar, - diz o chefe. - Garças e louvores se dêem a todo o momento! - Entro na 'oração'. - Ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento! Da 'oração comunitária' passo à minha própria 'oração pessoal'. Deixo-me ficar nela. A COM+versar1 com Aquele e com Aquilo que Jesus nos ensinou... (Mt 6, 9-13) - Pai/ Mãe, em Quem somos e vivemos, santificado seja o Vosso nome - encarnado n'estes filhos que nos mandas! Para cuidarmos deles, como Tua e nossa Mãe - Maria de Nazaré - cuidou de Ti, desde o berço até aos pés da cruz da Tua 'RE+surreição'...
Penso que Pai Américo, ao sonhar este Calvário como 'uma palavra tirada do Evangelho' não quer vê-la reduzida à vulgaridade de 'um Lar para Deficientes'. Chamem-lhe lá o que quiserem mas, no meu intuir, Pai Américo quer ver o Calvário como uma demonstração viva e em permanente actualização da sua tese de sempre: "É mais barato prevenir crimes que suportar criminosos'. Ou: é mais fácil desumanizar (gizando 'projectos de humanização de acção social'2 ...) do que cuidar das feridas provenientes da incúria dos homens. Olho-os um a um. Todos são, hoje, 'portugueses de lei', retirados do purulento charco dos sem ninguém que os ame. Porque ninguém nasce só para ser aguentado por um 'vulgar' e anónimo serviço público3 . É o que nos ensina o Paulo Sérgio quando, em seus dias serenos, ao cruzar-se com os que olha como sua família, avança de mão estendida a cumprimentar ou a dar uma esfreguinha nas costas e, a qualquer hora do dia, debita o seu ritual bom dia, sr. fulano, eu hoje trabalhei muito, mereço um chocolatito... Pois. É o seu jeito de gritar-nos: - Sofro da minha cabeça, tenho este corpo assim deformado, mas também tenho uma alma que é sempre perfeita, um coração sensível, sedento de amar e sentir-me amado. Porque sabe que não nasceu para ser botado à vala comum dos sem o amor de ninguém... Tudo isto me faz saltar aquele alerta de que 'num mundo com tanta falta de amor, é crime andar a gastá-lo em quimeras que nos afastam - alonjam-nos!... - do real de que somos alimentados'. Porque Deus está aí, no real, onde vivem os homens por Ele amados.
2. Todo o homem é um ser 'significador'... Já satisfeitinhos, todos deixamos o refeitório. Os rapazes, para as suas tarefas. E eu, docemente moldado pelo ora et labora dos beneditinos, paro- -me com P.e Telmo e P.e Alfredo a rezar Laudes - oração da Igreja, nos cinco Continentes. Já sozinho, cuido ainda da minha higiene mental diária, com a leitura do Evangelho do dia. É aquela passagem de Mc 7, 1-13, em que 'um grupo de fariseus e alguns letrados de Jerusalém, ao ver que alguns discípulos comiam sem lavar as mãos' (...) questionam Jesus sobre o porquê deste comportamento. É que, para um bom fariseu e um bom letrado, a lei é que manda... - Nós fazemos o que nos mandam -, ouvi eu naquele tremendo 06.11.2018. - Não concordo, mas temos de obedecer...
Passo da Galileia dos saloios d'aquele tempo para os letrados da acção social, do esclarecido séc XXI. Não são já os 'fariseus e letrados de Jerusalém', mas os 'senhores doutores e inspectores' do Terreiro do Paço, em Lisboa. Outros tempos, com as mesmas cenas. O realismo de uns a chocar com a miopia de outros. E, no meio, as vítimas d'os últimos, que 'vão para onde os mandarem, (porque, segundo eles), não têm querer'... Como se houvesse portugueses que não merecessem respeito pela sua d'IGNI+dade. De criados à imagem e semelhança de Deus...
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1 - Não me canso de 'perfurar' os mistérios deste suculento com+versar, a que comummente se chama 'oração'.
2 - Lembro que, para Pai Américo, toda a ação social ou é teológica ou não é coisa nenhuma...
3 - Temo ser injusto. Também nos 'serviços públicos', às vezes, encontramos gente com coração de mãe.
Um admirador