PELA CASA DO GAIATO DE MALANJE

O mundo não sabe o que está escondido por detrás do mistério do Redentor e perdeu o verdadeiro sentido da maior festa cristã, celebrada, como é, com amêndoas e amores, por isso páscoa dum dia.» (Pão dos Pobres, 1.° vol., pag. 79).

Encontramo-nos em plena Oitava da Páscoa e, litúrgicamente, podemos dizer-nos em vivência do dia pascal, até ao próximo Domingo.

Na verdade, estas palavras do nosso Pai Américo, nos anos 40 do século passado, revestem-se de uma actualidade impressionante, considerando-as no contexto da nossa experiência mais ocidental, ou seja, nas comunidades cristãs do continente europeu. Tal como aconteceu com outras festas religiosas, como o Natal ou a festa do patrono, também a Páscoa foi transformada cada vez mais em momentos profanos, adicionando novos símbolos. Na Páscoa, juntaram-se às amêndoas, os ovinhos e, para mim, um outro que considero mesmo "estapafúrdio", o coelhinho, que por muito carinhoso e gentil que seja, nada tem de tradição cristã portuguesa.

Como pároco que fui durante 23 anos, e depois nestes mais 7 anos ao serviço desta Obra da Rua, ao ler o trecho acima, revi-me nos sentimentos expressos.

Mas a celebração das festas pascais na nossa Casa do Gaiato de Malanje, com a participação dos cristãos da comunidades que nos rodeiam, desde o Domingo de Ramos ao Tríduo Pascal (Ceia Vespertina do Senhor, Sexta Feira da Paixão, com Via Sacra e Adoração da Cruz e Vigília Pascal) terminando com a Missa da Ressurreição, no Domingo de Páscoa, mostraram uma perspectiva bem diferente, daquela antes referida, em que a veracidade e jovialidade na vivência dos momentos sagrados foi de uma ingenuidade e generosidade gratificantes, e sem a necessidade de amêndoas nem "ovinhos" de páscoa, até porque os não havia…

Com a preparação dos vários grupos que intervieram na liturgia, só podia dar um resultado bem positivo. Desde os ensaios do nosso grupo coral do Gaiato e também do Grupo Juvenil das comunidades, com os seus cânticos animados e bem movimentados, até às danças tradicionais, particularmente no momento da "apresentação dos dons" e no de "acção de graças" que alegram e bem dispõem, "obrigando" mesmo o padre a entrar nesse ambiente de "dança" levaram-nos a experiências ímpares difíceis de viver em contextos mais sóbrios.

O esmero do coro foi acompanhado pelos outros "actores", como os leitores e salmistas que entoaram lindamente as melodias propostas e os nossos seminaristas (Paulo Ganje, Jobi, Moisés, Delson e Simão), e até o Precónio Pascal foi executado de forma exímia pelo Zézito, nosso seminarista, que está para seguir rumo a Portugal para continuar os seus estudos teológicos, e não podia deixar de realçar o nosso grupo de acólitos, que em funções tão variadas, e algumas revestidas de novidade, exigidas pela liturgia destes dias, ajudaram, pela dedicação na execução das incumbências, à beleza celebrativa.

A culminar estas experiências tão gratificantes, no Domingo de Páscoa, além da felicidade e júbilo que se fazia sentir na igreja da Casa do Gaiato, com o espaço a "abarrotar", nunca tinha sentido tanta satisfação pelo facto de termos mais de 350 crianças na eucaristia, algumas com menos de um aninho. Belo foi admirar, uma menina de uns 9 anos, que de forma tradicional, numa capulana era portadora de um irmãozinho, que não teria mais de 7 meses, e de quem ela cuidou todo tempo sem deixar de estar imersa na vivência da Eucaristia…. Que lindo exemplo para todos nós! Aqui se pode experimentar a genuinidade do que significa a "pobreza evangélica" e como ela manifesta o verdadeiro amor de Deus!

A todos os amigos e benfeitores, de Malanje e de Setúbal, desejo votos de uma Feliz Páscoa e todas as bênçãos e graças de Jesus Ressuscitado!

Padre Fernando