
PELA CASA DO GAIATO DE MALANJE
Num dos testemunhos que li, no livro Correspondência dos Leitores, dizia: «não deixe de escrever… aproveite a oportunidade e escreva…escreva». Esta interpelação de um leitor dirigida ao P.e Américo, que o levou a intitular esse trecho de "Tenho que negociar com os talentos que Deus me deu!", levou-me a tentar reflectir os motivos pelos quais , poucos textos estão brotando da minha "obrigação" para com "O Gaiato" e seus assíduos leitores.
Como sabemos, Deus agracia cada qual com os seus "talentos", tendo Jesus vertido numa das parábolas evangélicas o seu ensinamento realçando a importância de colocar esses dons ao serviço da comunidade, dos irmãos.
Não sendo uma justificação, mas de facto, a escrita ainda não é verdadeiramente uma das motivações que me anima na missão que Deus colocou ao serviço da Obra da Rua, nas Casas do Gaiato. E por isso espero a compreensão dos "amigos" que estão sempre ansiosos das notícias que o nosso Jornal difunde, e que são a verdadeira razão daqueles com quem nós continuamos a partilhar a vida.
Nestes últimos meses, nesta segunda passagem por Malanje está a ser como que um revigorar na missão original que me trouxe a esta Obra.
Nestes meses, na fragilidade da realidade em que nos encontramos houve tantos e vários acontecimentos que foram superando as expectativas iniciais.
Primeiro, saindo de uma comunidade limitada em rapazes, como acontece nas nossas casas de Portugal, como no caso de Setúbal, pelas razões que conhecemos, e encontrar uma família com mais de 90 pessoas, é só por si muito aliciante.
E logo no primeiro dia em que rezávamos o terço comunitário, em redor do jardim central da aldeia, nas invocações finais das 3 Avé-Maria, onde se colocam intenções variadas, o Evandro "chipepe", o batatinha mais novo da Casa, com os seus 5 anos de idade, num balbuciar quase imperceptível coloca a sua petição dizendo:"rezemos pelos mais pobres e por aqueles que hoje não têm de comer"!
Que bálsamo espiritual mais maravilhoso poderia receber, nesse primeiro momento comunitário com os "gaiatos" de Malanje? Isto era o augúrio de um tempo de manifestação da Graça de Deus nas nossas vidas.
Também marcante foi o Natal e as festas de Ano Novo, recheadas com um belo presente de algumas pessoas pertencentes à comunidade dos portugueses residentes em Angola, que se quotizaram para proporcionar uns agrados gastronómicos tradicionais. E assim, após a Celebração Litúrgica do Nascimento de Jesus, não faltou a Ceia de Natal com bacalhau, couve, cenoura, batata e ovo cozido, bem regado com azeite e acompanhando com gasosa para delícias dos rapazes. E estava mesmo bom, ao ponto que na mesa, alguém repetia: Sr. Padre, está mesmo bom, que bom o bacalhau!
Tal como este repasto, também o dia de Natal, com "funje" acompanhado de "pica-no-chão", e o Ano Novo, com bacalhau com natas, para mais de 95 comensais, e sendo a primeira vez que o nosso cozinheiro "Nacas" se aventurou em tal "empreitada", foi o coroar de uma vivência alegre destas festividades.
Não sendo a primeira vez, e em comparação à outra estadia, sensibilizou-me a amabilidade e a atitude muito serena que as crianças e jovens do nosso Gaiato de Malanje revelam. Isto, por certo, fruto da dedicação do pai da Casa, o P.e Rafael, e pela passagem nos tempos anteriores da Rebeca, com o marido e os seus dois filhos!
Não posso terminar sem que diga da satisfação de ter conhecido a Casa do Gaiato de Benguela, e ter passado uns "frugais" dias com o P.e Quim, promessa há muito tempo por cumprir. Também aí, numa família de mais de 150 rapazes, se puderam perceber as bênçãos e graças que Deus vai realizando pela nossa Obra, na vida daqueles, que o Senhor nos entrega!…
Padre Fernando