
PATRIMÓNIO DOS POBRES
Há muito que eu choro, gemo e grito que é preciso fazer casas e oferecê-las aos portugueses pobres, por uma renda acessível, de forma que se acabe com esta terrível humilhação da pobreza e a escandalosa exploração com rendas exorbitantes que enchem depravadamente os bolsos de alguns ricos.
Os políticos fazem juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição, que diz: "que todos os portugueses têm direito a uma morada condigna". Depois, instalam-se em requintados gabinetes e esquecem por completo de fazerem o que juraram. Não seria melhor que não jurassem, se depois não cumprem? E os responsáveis religiosos, não vão nem conhecem o que o Papa Francisco chama as periferias. E, por isso, não descobrem o estado de injustiça em que tanta gente vive.
O problema habitacional em que vivemos presta-se a todos os abusos de que são vítimas os mais pobres e humilhados sem qualquer remédio à vista.
Apareceu-me aqui em casa uma mulher de meia-idade com dois filhos, um adolescente e uma menina de dois anos, a qual fugiu do centro do país para Setúbal, a fim de se esquivar à violência doméstica de que era vítima por parte do pai dos seus três filhos.
A senhora veio buscar alimentação e roupas e quis falar comigo porque a (casa?) onde viviam havia metido muita água durante a noite. Disse-me onde morava: Azinhaga da Nova Sintra. Eu vi logo onde era a casa e a razão do seu queixume, mas fui ver.
A gente precisa de ver para enfrentar a indiferença pessoal e dos outros.
Alguém, por piedade, cedeu-lhe aquele casebre coberto de telha antiga de lusalite e outros materiais singelos. Com energia, mas sem água, por 50€/mês.
A entrada é logo num quarto onde se encontra um colchão largo no lajedo e onde dormem a mãe, a bebé e uma outra filha de 9 anos. A seguir é um corredor que serve de cozinha com fogão e frigorífico. Depois, o quarto do rapaz, à esquerda, onde choveu abundantemente, pois a telha grande de lusalite está partida toda ao meio e a água embocou toda para dentro do cubículo onde o rapaz dormia: num meio colchão posto no piso de cimento. Ao fundo do corredor, uma sanita sem arejamento nem luz.
Todo o chão é de cimento, uma tosca camada do dito material sobre a terra fria e húmida.
Não sei como se lavam nem onde. A verdade é que não cheiravam mal.
Uma porta interior fora deslocada para porta principal do casebre. Fora deste, encostado à parede, na viela pública, havia um pequeno palote com garrafões de água cheios mais meia dúzia deles vazios. Que uma senhora lhes dá água e eles vão lá encher os referidos garrafões.
Ainda naquela tarde, em que chovia a potes, levei lá um técnico para me dizer como se poderia dar remédio à triste situação.
Comprei vários materiais e quatro homens foram cobrir de pele elástica e de rede de vidro a cobertura da casa e o problema da água no casinhoto ficou resolvido. Agora, por mais que chova, a água não entra naquele pobre e acusador abrigo.
Esta família tem um carrito que só pega de empurrão e é com ele que vai buscar a água e levar à escola a menina do meio. Vou comprar-lhes uma bateria, pois arranjou o motor de arranque, para que a sua vida não seja tão amarga.
Esta situação, se fosse única, estávamos todos bem, mas ela multiplica-se por muitas cidades em Portugal e por todo o lado.
Ontem dei a um desgraçado que morava na rua, 600€ para entrar numa casita. Hoje, 800€ a uma pobre mãe de duas crianças, com o corpo cheio de nódoas negras infligidas pelo progenitor dos seus dois filhos, para que ela pudesse sair do quarto onde vive, pressionada pela dona.
E acabei mesmo agora de passar um cheque de 355€ para que uma pobre mãe, também abandonada pelo progenitor, pudesse pagar a creche e alimentação da filha.
Padre Acílio