PATRIMÓNIO DOS POBRES

Os pobres em Portugal vivem numa ruptura eminente de habitação.

Há muito que não se erguem ou reparam casas de renda económica neste País.

Os chamados bairros sociais vão-se degradando de dia para dia, de tal forma que há muitas casas com portas sem dobradiças, canos rotos, degraus de escadas partidos, chão esburacado e nalgumas até as portas interiores desapareceram, paredes sujas, electricidade avariada. Casas com número grande de problemas que urge corrigir. Há mais de quarenta anos que foram construídas e nunca se lhes deu sequer uma ligeira reparação.

Agora fui chamado a casa de uma viúva com cinco filhos, todos menores. O ambiente do bairro é assustador.

Enquanto a pobre viúva esteve no hospital, partiram-lhe, à pedrada, num primeiro andar, os vidros das quatro janelas, duas das quais eram de vidro duplo. Já lhos paguei e ela já as levou para as assentar; duas delas ainda demoram.

Como o aglomerado das casas se situa exposto à aragem do mar, os ferros dos degraus das escadas e dos pilares começam a estalar o cimento, a ferrugem a comê-los e estes a perderem a consistência que deviam dar aos degraus e às habitações.

Não sei a quem está atribuída a responsabilidade da conservação. O que conheço é a necessidade dela.

E como se poderá baixar o preço do arrendamento das moradias se o Estado não levar rapidamente por diante a construção de mais casas?

É urgente que se construam mais casas. Se a cidade de Setúbal tem um deficit de seis mil fogos, o que não acontecerá noutras cidades?

Se o Estado não abre a bolsa para cumprir a Constituição que manda atribuir a cada família portuguesa uma casa, como poderá manter-se uma situação destas?

Senão, vejamos. Com a pandemia, muitas famílias diminuíram o rendimento do seu trabalho e as rendas ficaram para trás. Como pode uma família monoparental, ganhando o ordenado mínimo, pagar uma renda, mesmo só de 400€/mês? Como? E quantas há por aí, mil? Mais mil? Como poderão viver?

E não é o Estado quem favorece, pelo exemplo de alguns, e pela fragilidade a que o ambiente cultural chegou, que favorece todo este deboche a que os costumes chegaram?

Numa destas noites, já depois do jantar, duas mulheres bateram à porta a pedir audiência. Uma vinha trazer a outra e, ambas entraram com a sua criança ao colo para falarem comigo, cada uma com a sua criança.

Qual a sua aflição? Qual seria? - O meu leitor já adivinhou. Era a renda da casa.

Os senhorios não perdoam. Podem esperar até certo tempo, porque este não para. Os meses vêm logo a seguir aos outros.

Aflita, separada do marido. As duas crianças são dela. A mesma trabalha no hipermercado a ganhar o ordenado mínimo.

Como poderá ela resgatar os dois meses que ficaram atrasados durante a pandemia?

Como, senhores governantes? Como? - Se não têm onde cair mortas.

Não haverá para ela e para tantas como esta senhora uns restinhos de euros da Europa? Os pobres não têm direito a nada?

As senhoras vinham acompanhadas pela D. Conceição, que as tinha atendido ao telefone e mas tinha recomendado. O seu coração sensível aos pobres não a deixa sossegar, sobretudo, depois de ouvir estes queixumes tão sofridos.

Também sentiu a mesma coisa que eu, sofrendo com quem sofre.

Pedi-lhe que fosse buscar o livro dos cheques ao escritório e passei-lhe para um mês, 400€. Precisava de dois, ou melhor, do dobro. Mas, quando viu na sua mão este valor, arrasaram-se-lhe os olhos de alegria e começou a abrir o seu coração:

- Nunca pensei que existisse gente capaz disto.

- Oh, minha senhora! Damos o que Deus nos dá. Eu não lhe dou nada. Quem se encontra consigo e se condói é o Senhor! É por Ele que este dinheiro me vem parar às mãos! Não é por mim, nem sou eu que o dou, mas Ele.

A conversa prolongou-se pela noite dentro e elas estavam tão atraídas que nem a rabugice das crianças as impedia de gozar a doçura deste momento.

Se elas assim se deleitam, quanto mais o Pai do Céu gozará desta doçura dada aos pobres.

As casas são o meu continuado grito de dor.

Padre Acílio