PATRIMÓNIO DOS POBRES

É um mundo estranho que me é dado viver!

A maior parte da gente, não faz a mínima ideia do sofrimento que muitos irmãos padecem. A humanidade gera a miséria e esta a pobreza extrema.

O meu escrito deste jornal destaca duas ocorrências que me feriram a alma e vão atingir os leitores.

A primeira é a de um homem de 43 anos atropelado, na estrada, por alguém que fugiu e que ele não identificou.

Eu rezava o meu Breviário na sala de jantar onde tenho boa luz, algum silêncio e comodidade.

Espreitando pela janela vejo chegar um homem muito torto para o lado esquerdo.

Deixei a oração levantei-me fui ao seu encontro. O homenzinho tinha cara de grandes dores, com um boné a cair para o lado da tortura do tronco, tapava-lhe os olhos encovados, uma barba descuidada, amolecida pelo suor que escorria da cabeça por baixo do objecto que o protegia da ardência solar.

Senti a realidade de Cristo a caminho do Calvário, chagado, repelido e manso.

Mandei-o sentar numa cadeira perto de mim com desejo grande de o consolar!

- Então amigo o que se passa? - O senhor tirou o boné, com a palma da mão limpou a testa, olhou-me e começou a contar a sua tragédia:

- Ia pela estrada e um gajo atropelou-me e fugiu. Moro ao pé do Montado e venho pedir-lhe ajuda para a renda da casinha onde vivo.

- E veio a pé?

- Sim! Fui-me arrastando até chegar aqui.

- É muito longe e com este calor!

O homem sentado com a inclinação do tronco para a sua esquerda, metia-me um dó sem medida. Logo me chegou a ideia e o desejo de o ir levar num carro da Casa, como aconteceu.

- Quanto paga por mês?

- São 200 euros.

Passei-lhe o cheque endossado à senhoria, dei-lho, e ele ao ver-me assim com aquela prontidão e compadecimento diz-me:

- Olhe que eram dois meses.

- Agora leva um e depois veremos.

Lá o levei à sua casota e fui-lhe perguntando pelo caminho se tinha água e luz e ele respondeu-me afirmativamente.

Deixei-o junto da casa e vi que a habitação era pequena com duas águas no telhado, todavia não entrei para observar como seria por dentro o que eu deveria ter feito, mas as pressas e o muito que fazer atrapalharam-me e também cometi este pecado.

Passado mais ou menos um mês, o homem voltou de novo a pedir a renda:

- Olhe já paguei 100 euros, mas falta-me um mês e meio, são 300 euros.

- Ah! Você está melhor!

-Tenho tomado uns comprimidos e sinto-me aliviado.

Sentados, do mesmo modo um ao pé do outro, continuei a conversa:

- Então como veio hoje?

- Foi um vizinho que me trouxe.

- Ainda bem e agora como regressa?

- Ele passa por cá e leva-me. - Fiquei aliviado, outro samaritano estava connosco! Como me senti consolado! Graças a Deus.

Recomendei-lhe que fosse à Segurança Social, expusesse a situação, pedisse ajuda, pois eu não suportava pagar renda todos os meses e expliquei-lhe: - Os pobres são muitos, todos os dias há aqui gente a pedir.

Deus queira que ele encontre na referida repartição do Estado alguém com olhos e coração.

Outro caso, também dos que me amarguraram. É a situação daquela jovem mãe, com duas crianças abandonadas pelo progenitor que fugiu para o estrangeiro logo que ela engravidou pela segunda vez e da qual já aqui falei.

Claro que lhe tenho pago o quarto, como lhe pagava a renda da casa, e, agora, a inscrição das crianças no infantário para que ela possa trabalhar.

Para maior desgraça a Cetelem apareceu-lhe a exigir o pagamento de uma dívida de 2019, valor de 919 euros e 47 cêntimos, contraída pelo empréstimo de 600 euros.

Há dois anos que ela a julgava saldada, pelo fugitivo companheiro. - Como vai ser senhor padre? Vou trabalhar amanhã e eles vão ao meu ordenado!

Há muitas formas de atirar os pobres para a valeta e uma delas é oferecer-lhes dinheiro já na mão. Ela com 21 anos, com dois filhos, sem família, é agora sufocada por este aperto.

Temos-lhe arranjado fraldinhas, roupas, etc. Já vi a menina duas vezes e ela está tão linda. Que anjinho tão belo com tão pouca sorte!

A mãe é uma heroína a lutar pela vida, sem desânimos mas agora, precisa de alguém que a livre da valeta para onde pode ser atirada!

É a parábola do Samaritano como diz o Papa Francisco, sempre actualizada através das gerações e em toda a humanidade.

Há sempre muitas pessoas atiradas para a valeta da dignidade humana e... são poucos os samaritanos.

Padre Acílio