PATRIMÓNIO DOS POBRES

Era a tarde, num destes dias de sol ardente.

Um Gaiato entra no escritório do R/C e avisa-me:

- Tem ali uma senhora à sua espera.

- Quem é? - Perguntei.

- É uma senhora nova com uma grande barriga.

Imaginei logo uma tragédia. Deixei o que estava a fazer, levantei-me, peguei nas canadianas e dirigi-me à dita senhora.

- Então!? Boa tarde!

Ela levantou-se do comprido banco e dirigiu-se a mim muito delicadamente, perguntando-me se eu era o senhor padre.

- Sim, sou. - Respondi-lhe com os meus olhos no seu olhar de sofrimento. Uma cara pálida, com a gravidez descaída, cabelos a cobrir as costas e olhou-me a pedir que a ouvisse uns momentos.

Sentados, um perto do outro, no segredo do referido escritório, ela começou a revelar-me, humildemente, o motivo da sua vinda à Casa do Gaiato.

Com 21 anos, já tinha um filho de 3 e, agora, acolhia no seu seio uma menina que iria nascer brevemente.

O seu amante, pai da menina, era estrangeiro e fugiu para um país da Europa, que ela ignorava, sem deixar rasto.

Ela fizera na escola o 12º ano e trabalhava agora, sem poder, mas devia cinco meses de renda de casa e vinha pedir-me ajuda, pois a senhoria, mesmo sendo sua amiga, exigia o pagamento de pelo menos dois meses.

- Como caiu nesta situação?

- Sabe, padre, deixei-me arrastar pelo pai das minhas filhas e nunca imaginei que ele me deixaria.

- Então, uma rapariga tão bonita vai com um homem deste calibre? Agora é que estava na idade de escolher um companheiro que faria consigo uma família.

- Naquelas idades, os instintos falam mais alto que a cabeça.

- Sabe o que lhe faltou? Além da família onde nasceu, ausentou-se da presença de Deus, cuja lei é fundamental para o nosso equilíbrio.

- É verdade. Fiz a primeira comunhão, o crisma e, depois, deixei tudo. Vou queixar-me ao tribunal e o pai dos meus filhos terá que ser responsabilizado.

- Vamos a ver. A mulher é sempre quem fica com o fruto do seu ventre. É ela que carrega a cruz.

Entretanto, levanta os olhos e suplica:

- Não me arranja um carrinho de bebé para a menina quando ela nascer?

- Acho que não temos agora nenhum. Mas se aparecer, eu fico com o seu número de telemóvel e aviso-a.

Dei-lhe 500€ em cheque e a senhora escolheu-lhe umas fraldas e alguma roupa, para a nascitura, com alimentos que tínhamos e ela despediu-se, na expectativa do carrinho.

15 dias depois, a Dina, nossa cozinheira há anos e casada com um Gaiato, trouxe um carrinho completo, com coco e tudo e mais, muita roupinha de bebé. A futura mãe exultou de alegria, faltava-lhe uma semana para a sua menina nascer. Agora, tinha a cabeça do lado direito da mãe e os médicos informaram-na que havia de ser operada, isto é, fazer uma cesariana, para a criança nascer.

- Olhe senhor padre, trabalhei até ontem. Sabe Deus com que sacrifício!

Ouvir, acompanhar e valer a estas heroínas é um dom de Deus dos mais reconfortantes.

Pai Américo bem disse:

- Ai!, se tu soubesses como é bom viver o Evangelho, tu cantarias vitória!

Valer aos pobres é uma ação de tal maneira agradável ao Senhor, que Ele corresponde imediatamente com uma alegria interior inqualificável, só conhecida por quem a realiza.

Padre Acílio