PATRIMÓNIO DOS POBRES

Tive hoje conhecimento que um grupo de cristãos católicos resolveu oferecer aos homens responsáveis pelo governo da nação e da Assembleia da República, a encíclica do Papa: - Todos somos irmãos. - Tentando abrir-lhes os olhos para as abissais desigualdades económicas, dos portugueses de que eles assumem a responsabilidade.

É de louvar esta diligência. Ela manifesta verdadeira crença no Natal de Jesus. O Filho do Eterno Pai assumiu a nossa humanidade no seio da Virgem Mãe e fez-se nosso irmão, dando-nos as riquezas da sua Divindade. Mas fez-se nosso irmão. Assumiu na sua Pessoa Divina a nossa pobre humanidade e não só a de alguns, mas a de todos os homens e de todas as gerações, não só as presentes, mas também as passadas e as futuras.

Mesmo assim, quem aceita o seu projeto de vida e o toma como caminho? Quem? São muito poucos os convencidos.

Não digo que este grupo faça mal. Não senhor, basta a sua boa intenção e a sua sede de justiça para merecer o nosso aplauso, mas onde é que estes políticos vêem as desigualdades, se eles vivem dominados pelos seus interesses e pelos do seu grupo? E neste não há discrepância. Eles julgam-se os melhores, os mais dignos e merecedores de todos os benefícios e regalias, enquanto os desgraçados pertencem a outra classe e não à sua. Eles são eles. Os outros são apenas ralé.

A palavra do Papa, o seu permanente amor aos pobres e seus exemplos de vida e atitudes, a sua ardente ânsia de igualdade entre os humanos pouco lhes dirá, pois eles vivem na cegueira e a Luz do Natal não lhes entra na alma.

Era necessário que eles, os responsáveis, saíssem do seu mundo e viessem em pessoa, como homens vulgares, para o meio dos mais deserdados e fossem capazes de medir a distância do seu modo de vida, da sua alimentação, da sua morada, dos seus ornamentos e comodidades com as dos mais infelizes.

É absolutamente necessário que vissem para averiguar como o Santo Padre tem razão. Não é nada impossível, bastaria que se sentissem atingidos na sua humanidade pelas condições de vida das largas camadas da pobreza.

Foi para isto que houve Natal.

O bairro daquela pobre cuja filha me moveu a pôr um telhado novo na sua casa, é todo coberto de amianto e muito podre e partido. Além do muito frio no inverno, muito quente no verão, é doentio. É cancerígeno.

Quantos bairros há ainda por esse país fora, cobertos da mesma matéria, apesar da sua perigosidade?

E quem se aflige com estas condições de habitação? E onde está a igualdade com as grandes mansões e residência nos condomínios fechados e não só?

Nas visitas aos pobres, a gente arrepia-se. E então, agora, com a pandemia, as desigualdades tornam-se mais notórias e até nos causam dificuldades e nos afastam desses bairros com medo do contágio.

A humanidade do Filho de Deus veio abrir-nos o caminho para a fraternidade onde esta não é uma palavra bonita ou um ideal inatingível, mas uma obrigação de todos os homens e mais ainda daqueles que assumem conduzir os povos e não apenas, cobardemente, viverem e enriquecerem à custa dos impostos do povo e das riquezas da nação.

O sacrifício de todos é, sobretudo, para valer aos mais fracos e indefesos. Não nos venham com estruturas políticas para a igualdade, tentando cegar os cidadãos, para eles próprios se governarem à vontade.

A igualdade faz-se com obras, não com projectos concebidos para enganar e iludir ninguém, pois a maioria dos homens entende bem as coisas.

Peço uma Mãe

A maioria das mulheres nascidas em Portugal sabe, por experiência, o que é o coração da Mãe. Não precisamos de explicar o que vem fazer nem como irá viver entre nós. Terá uma vida igual à das mães na própria família. Aqui é uma larga família com muitos filhos e só isso. O coração dela ir-se-á alargando na medida em que se abrir a cada um deles e encontrará recompensa nesta doação.

O resto, todo o resto, virá daí! Abertura aos pobres e aos rapazes que a não tiveram ou a não têm.

Padre Acílio