PATRIMÓNIO DOS POBRES

Recebemos nesta Casa de Setúbal dois meninos vindos da Guiné com a sua mãe e uma gémea de um deles. A razão da vinda para Portugal era a precária saúde da menina que, dada a falta de recursos naquela nação independente, sujeitava-se à morte.

A mãe, para salvar a filha, sujeitou-se a todos os sacrifícios, confiando na comunhão dos pobres, uns com os outros.

Primeiro foi recebida na própria casa de uma família pobre que a acolheu como se fosse seu membro, a ela e aos três filhos e, depois de nos ter entregado os dois rapazes, ainda lá permaneceu até arranjar um buraco em Camarate, onde se meteu numa ilha.

Sim, numa ilha. Entra-se para a ilha por uma porta e lá dentro encontramos uma quantidade de casinhas ligadas umas às outras, baixinhas e diminutas, não próprias para guardar gado, muito menos para hospedar gente.

Fomos lá levar duas portas com os respectivos aros, uma exterior e outra interior.

A pobre paga de renda 250€. Não sei se lhe passam recibo, se não.

Em Casa fomos avisados e ameaçados por termos os bezerrinhos presos a casotas individuais por uma corrente. Os animais, segundo a lei, não podem estar presos. Tivemos de os cercar com uma rede de arame para eles estarem soltos e gozarem da sua casinhola à vontade.

Não estamos contra a lei. Até achamos graça.

Mas eu pergunto a quem passa o tempo a fazer legislação e a discutir estes assuntos e não se preocupa com a habitação das pessoas? Será porque os animais agora têm mais importância e dignidade que os humanos? Como se permite que qualquer abrigo sirva para alojar famílias? Para cúmulo ainda se pague muita renda!...

Não será este um mal terrível que explora os pobres? Como se remediará se não há casas para alugar a preços compatíveis com o rendimento das famílias? Mesmo as casas feitas pelo Estado, chamadas de habitação social, a grande maioria precisa de reparação. Parecemos um país do terceiro mundo, onde até o partido que sustenta o governo se sente na necessidade de fazer, com enormes cartazes, propaganda da sua acção, como se os portugueses fossem todos uns papalvos.

A verdade é que tem havido dinheiro para reconstruírem cidades de futebol com todas as exigências para regalo dos poderosos, pistas para corridas de automóveis em várias partes do país para atrair turistas e se algum bairro se construiu, deixou-se ao abandono, como se as pessoas que os habitam fossem gente civilizada capaz de zelar pelas casas e pelo ambiente, como se não fossem pessoas a precisar de uma certa vigilância educacional e até obrigados a manter as suas casas limpas, as paredes intactas de graffitis e borrões sem qualquer sentido que não seja o gosto abominável de estragar.

Que Deus me perdoe mas, no meio de tanta mentira, onde os pobres ficam sempre para últimos, e estes numa situação de indignidade humana, à vista de toda a gente, sinto-me responsável de denunciar com espontaneidade de coração, como quem cumpre o seu dever.

O Património dos Pobres é apenas um remedeio e uma crítica mordaz à acção governamental que arranja desculpas para tudo, menos para as conveniências partidárias.

Padre Acílio